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UNESCO: Novo quadro para a cultura 2024 e o papel das bibliotecas

27 de Fevereiro de 2024, 09:00

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1. A necessidade de um novo Quadro Global da UNESCO

O Quadro para a Cultura e a Educação Artística/Framework for Culture and Arts Education atual da UNESCO baseia-se em 2 documentos: o Roteiro para a Educação Artística (Lisboa, 2006) e a Agenda de Seul: Objetivos para o Desenvolvimento da Educação Artística (Seul, 2010) [2].

O crescimento da mobilidade humana, das desigualdades, das alterações climáticas e da transformação digital transformou o contexto em que estes documentos foram aprovados.  As recomendações da iniciativa Futuros da Educação 2021 [3] - e a Declaração MONDIACULT 2022 - reforçam a importância da ligação da cultura à educação e a necessidade desta revisão.

Considerando a importância da cultura e da educação para todos os setores e para o desenvolvimento sustentável, os Estados-Membros da UNESCO solicitaram, em 2021, a sua revisão, de forma a adaptá-los às exigências do mundo atual e futuro.

Em janeiro de 2024 a UNESCO publica o primeiro Rascunho/Draft do futuro Quadro [4].

2. Quais são as novidades do futuro Quadro?

A.

Mantém a definição alargada de cultura da Declaração Mondialcult 2022, que inclui processos, como o diálogo intercultural e valores, como a diversidade cultural e linguística:

Cultura é o “conjunto de características distintivas espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, inclui não só artes e letras, mas também modos de vida, direitos fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças" e “pode ser transmitida, expressa e vivida” através de palavras, som, imagens, movimento, monumentos e objetos, meios digitais e conhecimentos tradicionais.

Reconhece que “A cultura está no centro do que nos torna humanos e constitui a base dos nossos valores, escolhas e das nossas relações uns com os outros e com a natureza, dotando-nos de pensamento crítico, de um sentido de identidade e da capacidade de respeitar e aceitar o outro”, desenvolvendo a imaginação, a autoexpressão e a curiosidade sobre todos os assuntos.

Nos termos deste Rascunho, a cultura é um ecossistema que reflete a transformação digital, devendo incluir património, indústrias culturais e criativas e que deve integrar-se, de forma significativa e prática, em todas as formas de educação, incluindo não formal, ao longo da vida, técnica e profissional.

B.

Reforça a ligação indissociável entre cultura e educação: a educação é um meio importante para a promoção da cultura, da criatividade e da inovação e a cultura melhora e alarga as competências e os resultados da aprendizagem. Esta interligação reforça/acelera:

- A “aprendizagem holística, incluindo a aprendizagem social e emocional, a sensibilidade ao ambiente natural, bem como promover o diálogo intercultural, a cooperação e a compreensão, fundamentais para enfrentar de forma sustentável os desafios globais e os processos de transformação” [4];

- A equidade e a relevância da educação, pois a diversidade das expressões culturais “enriquecem e revitalizam a educação, oferecendo a diversos aprendentes, em particular aos que pertencem a grupos vulneráveis e desfavorecidos, os meios para exprimirem a sua humanidade e acederem a uma diversidade de formas de expressão, formas de pensar, conhecer e ser, histórias e línguas de povos e comunidades, que dão sentido à sua leitura do mundo, aumentam a sua autoconfiança e motivação, e, consequentemente, o seu sucesso na aprendizagem” e sustentam e alargam comunidades de aprendizagem, criadas inclusive de forma espontânea/informal [4];

- O desenvolvimento sustentável, designadamente ao nível do ODS 4, educação de qualidade inclusiva e equitativa, promovendo oportunidades ao longo da vida para todos e do ODS 8, promoção de emprego e o trabalho digno para todos. O futuro Quadro afirma que a cultura e a educação artística “deve ser holística, transformadora e impactante”, ter efeitos concretos na realidade.

C.

Deve ser ancorada em 6 princípios, como:

- “Afirmar a cultura e a educação artística como um bem público global da humanidade” que promove o bem-estar e deve ser acessível a todos.

- Ser baseada nos direitos humanos e na diversidade, devendo abordar e combater estereótipos e preconceitos discriminatório.

- Facilitar a cocriação e a participação ativa e significativa de todos os intervenientes e beneficiários, designadamente dos jovens.

Refira-se que foi a Carta de Roma 2020, liderada pela United Cities and Local Governments (UCLG) [hiperligação ao artigo anterior], que estabelece o direito de todos participarem na cultura e de que este é “condição para uma sociedade melhor”. Este foi um compromisso assinado por 49 cidades europeias e Lisboa foi uma das cidades que o subscreveu. Considera que a “cultura é tudo o que fazemos além da mera sobrevivência, dá sentido às nossas perceções, une a humanidade através das emoções, imaginação, pensamentos”, é "um recurso comum e renovável no qual nos encontramos uns com os outros, aprendemos o que nos pode unir e como lidar com as diferenças num espaço partilhado".

- “Promover a aprendizagem ao longo da vida e em toda a vida numa diversidade de cenários e ambientes”.

D.

Apela ao reforço do papel da cultura nas 3 áreas que a implementam:

- Políticas e legislação dos governos;

- Educação - ambientes e experiências de aprendizagem, formação de professores e de educadores, diálogo e cooperação com agentes da cultura;

- Sociedade - tecnologias digitais e inteligência artificial, parcerias e coordenação interinstitucional, investigação, avaliação/monitorização e recolha de dados para fundamentar as políticas e advocacia no setor.

3. Qual é o papel das bibliotecas no futuro Quadro?

A IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions) apela ao envolvimento das bibliotecas no apoio à implementação do Quadro da UNESCO [6], que atribui às artes e à cultura um papel fundamental no currículo e na sociedade.  

Quais podem ser as modalidades deste apoio das bibliotecas?

- Recolha, análise e monitorização de dados concretos;

- Partilha de progressos/desafios, impactos e boas práticas;

- Identificação de parceiros, como a UNESCO;

- Realização de eventos ou recursos no âmbito do 70.º aniversário da Convenção de Haia de 1954 para a Proteção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, como o da Ucrânia ou israelo-palestiniano;

- Estabelecer uma parceria significativa com uma organização da sociedade civil para implementar a Convenção da UNESCO de 2005 sobre Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais [7] e, segundo a IFLA, “Considerar dar especial atenção a iniciativas que fortaleçam a diversidade de expressões culturais no ambiente digital” ou no desenvolvimento sustentável. Portugal, um dos 152 países que ratificou – ou aderiu - à Convenção, será um dos 132 países que apresentará, em 2024, o seu relatório periódico quadrienal [8].

Atenta à realidade das crianças e jovens e ao alargamento das formas, conteúdos e alcance da aprendizagem, a Rede de Bibliotecas Escolares disponibiliza Propostas de Trabalho dinamizadas no terreno que podem constituir boas práticas de aprendizagem com artes e património e através da iniciativa A de Acolher contribui com recursos e atividades que visam a defesa do património em caso de conflitos armados. Estas iniciativas utilizam ferramentas digitais e contribuem para uma cultura digital mais diversa e inclusiva.

A título conclusivo, refira-se que o Rascunho para o novo Quadro Global da UNESCO foi elaborado no contexto do Projeto Zero do Quadro para a Cultura e a Educação Artística, lançado pela UNESCO após a Cimeira Transformar a Educação e foi adotado pelos Ministros da Cultura e da Educação de todo o mundo na Conferência Mundial da UNESCO sobre Cultura e Educação Artística que se realizou de 13 a 15 de fevereiro de 2024 em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos. Em 2025 irá realizar-se a Conferência Mundial sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável.

 

Referências

  1. (2024). Conferência Mundial sobre Cultura e Educação Artística 2024: Todas as etapas | Um Quadro para a Cultura e a Educação Artística. https://www.unesco.org/en/frameworkcultureartseducation
  2. (2010). Seoul Agenda:Goals for the Development of Arts Education. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000190692?posInSet=1&queryId=ca75f9c8-47f6-441a-8f28-1cceb366ddc9
  3. Sobre a iniciativa da UNESCO, Futuros da Educação (2021):
  1. (2024). Draft 1 UNESCO Framework for Culture and Arts Education. https://www.unesco.org/sites/default/files/medias/fichiers/2024/01/Draft%201_UNESCO%20Framework%20for%20Culture%20and%20Arts%20Education_EN_0.pdf
  2. UCLG, Roma Capitale & Azienda Speciale Palaexpo. (2020). The Rome Charter. https://www.2020romecharter.org/pagine/about-eng
  3. IFLA (2024). Get Involved with Cultural Policy and Advocacy in 2024. https://www.ifla.org/news/get-involved-with-cultural-policy-and-advocacy-in-2024/
  4. (2005). Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. https://www.unesco.org/en/legal-affairs/convention-protection-and-promotion-diversity-cultural-expressions
  5. (2024). Diversidade de Expressões Culturais: Relatórios Periódicos Quadrienais. https://www.unesco.org/creativity/en/policy-and-monitoring/periodic-reports#submit-your-countrys-quadrennial-periodic-report-
  6. 📷 Imagem criada com https://www.fotor.com/
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UNESCO: Recomendação sobre Educação para a Paz

24 de Janeiro de 2024, 09:00

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1. Informação e paz

A missão fundamental das bibliotecas é garantir o acesso a informação de qualidade (integridade da informação) e desenvolver competências que promovam os direitos humanos e A Nossa Agenda Comum.

No começo de um Novo Ano e perante os crescentes e novos ataques ao ecossistema de informação – por via de desenvolvimentos vertiginosos em IA generativa que ameaçam levar o discurso de ódio e a desinformação a patamares nunca experienciados – lembramos que a informação é importante para alcançar todas as liberdades fundamentais e, em especial, a paz, a justiça e a democracia (ODS 16). A Agenda 2030 reconhece-o ao considerar, na meta 16.10 relativa à Paz, a importância de “Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais”.

2. Nova definição da paz

Neste contexto, a Rede de Bibliotecas Escolares destaca a Recomendação sobre Educação para a Paz, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento Sustentável [2] adotada na Conferência Geral da UNESCO e que estabelece uma nova compreensão da paz que “não requer apenas a ausência de guerra ou de conflitos armados, mas também um processo inclusivo, democrático e participativo”, que contribua ativamente para o cuidado por nós próprios e pelos outros e pelo planeta (UNESCO, 2023, p. 2). Esta abordagem leva cada pessoa/comunidade a compreender e a assumir as suas responsabilidades/deveres na prevenção de conflitos, violência, discurso de ódio.

3. Educação para um futuro pacífico

A educação molda a forma como o ser humano compreende e se relaciona com o mundo e é o caminho mais eficaz para construir uma paz duradoura e o desenvolvimento humano e sustentável.

A Recomendação baseia-se nas conclusões da Cimeira Transformar a Educação que considera que a educação/escola é um direito humano fundamental e um bem público que deve ser acessível a todos e permite construir um futuro pacífico e sustentável e no relatório Futures of Education que a precede e que reconhece que a educação/escola para se tornar relevante deve gerar progressos concretos na relação com o planeta, a sociedade e a paz - "as guerras começam nas mentes dos homens e das mulheres e é nas mentes dos homens e das mulheres que deve ser construída a defesa da paz" [3] (UNESCO, 2021, p. iii).

A educação inclusiva e de qualidade, em todos os seus contextos e formas (sala de aula/escola e informal/comunidade; desportiva, artística e científica…), ao longo da vida/contínua e envolvendo todos os seus atores, inclusive líderes locais e representantes de tradições, pode ser uma ferramenta tão importante para construir a paz como as negociações dos líderes políticos.

4. Educação Transformadora, Educação para o Desenvolvimento Sustentável e Educação para a Cidadania Global

A Recomendação reconhece que o alcance da paz resulta de um trabalho diário que deve envolver todos os setores da sociedade, requerendo uma abordagem interdisciplinar e colaborativa.

Interrelaciona-se com questões centrais como o desenvolvimento sustentável, as mudanças climáticas, o respeito pela diversidade, a igualdade de género e a literacia mediática e informativa.

A Recomendação destaca “o importante papel que os jovens podem desempenhar na prevenção e resolução de conflitos” (p. 2) e a importância de 3 formas de educação:

- Educação Transformadora: envolve contextos de aprendizagem cocriados com os jovens e “capacita para refletir criticamente, tornando-os agentes de mudança e protagonistas do próprio futuro” (UNESCO, 2023, p. 5);

- Educação para o Desenvolvimento Sustentável (ESD): capacita para “decisões informadas e ações responsáveis em prol da integridade ambiental, da viabilidade económica e de uma sociedade justa, para as gerações atuais e futuras, no respeito pela diversidade cultural" (UNESCO, 2023, p. 5);

- Educação para a Cidadania Global (GCED - Global Citizenship Education) – “inclui a educação para a paz e os direitos humanos, bem como a educação intercultural e a educação para a compreensão internacional” (UNESCO et al, 2015, p. 49) [4].

Segundo os representantes do movimento A Carta da Terra, a Recomendação está alinhada com as metas 4.7, 12.8, 13.3 e 16 da Agenda 2030 [5].

5. Competências para construir a paz duradoura

Para além de promover uma “base sólida de literacia e numeracia”, a escola/educação deve contribuir para o desenvolvimento de competências como o “Pensamento analítico e crítico: capacidade de questionar normas, práticas e opiniões” e “compreender sistemas complexos e ambientes multiculturais (…) e dinâmicas de poder” e a “Literacia mediática e da informação, comunicação e competências digitais”:

“capacidade de procurar, aceder, avaliar criticamente, produzir, utilizar e divulgar eticamente informações e conhecimentos através de vários canais e tecnologias. Implica também ser resiliente, ser capaz de detetar e combater a desinformação e a informação incorreta, o discurso de ódio, todas as formas de violência (…), compreender os seus direitos e responsabilidades em linha e fora de linha e participar em ambientes digitais de uma forma segura, eficaz, criteriosa e respeitadora que reforce a segurança digital e proteja a privacidade” (UNESCO, 2023, p. 6).

O documento destaca outras competências como:

- Antecipação: capacidade de atuar como agente de mudança e de avaliar e compreender as oportunidades e ameaças”;

- Autoconsciência: capacidade de reconhecer e refletir criticamente sobre os seus valores, perceções e ações pessoais” e de “estar em paz consigo próprio, compreender e gerir as emoções, sentir e mostrar empatia e respeito pelos outros”;

- Sentido de ligação e de pertença a uma humanidade e a um planeta comuns e diversos”;

- Cidadania e participação ética e responsável e

- Resolução e transformação pacífica de conflitos”, contribuindo para a sua prevenção e mediação (UNESCO, 2023, p.

6. Princípios para construir a paz

A Recomendação adota 14 princípios para uma educação transformadora, de qualidade, holística e humanista e que promova a paz, dos quais se destacam:

- Promover uma ética do cuidado e da solidariedade”;

- Reconhecer que “todos os alunos, sem discriminação, criam e cocriam ativamente o conhecimento” (aprendizagem centrada no aluno e participativa);

- Capacitar os indivíduos para a resolução de problemas na comunidade, “nomeadamente através da utilização ética e responsável de tecnologias”.

7. Nota conclusiva

Adotada na 42ª sessão da Conferência Geral, a Recomendação resultou de um intenso processo de consulta e participação, que incluiu um inquérito global e demorou 2 anos a ser redigida.

Trata-se de um documento não vinculativo, que representa uma aspiração da UNESCO, na qual Portugal está representado e que se destina a influenciar práticas e legislação, de forma a reimaginar e moldar um mundo mais sustentável, justo e pacífico.

Substitui a Recomendação de 1974 sobre A Educação para o Entendimento, Cooperação e Paz e Educação Internacionais Relativa aos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais.

Os 194 Estados Membros que adotaram a Recomendação apresentarão, de 4 em 4 anos, relatórios sobre a sua implementação ao Conselho Executivo da UNESCO.

Referências

  1. UNESCO. (2015). What you need to know about UNESCO’s Recommendation on Education for Peace, Human Rights and Sustainable Development. https://www.unesco.org/en/articles/what-you-need-know-about-unescos-recommendation-education-peace-human-rights-and-sustainable?hub=87862
  2. UNESCO. (2023). Draft revised 1974 recommendation concerning education for international understanding, cooperation and peace and education relating to human rights and fundamental freedoms. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386924
  3. UNESCO. (2021). Reimagining Our Futures Together: A New Social Contract for Education. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000379707
  4. UNESCO, UNICEF, World Bank, UNFPA, UNDP, UN Women & UNHCR. (2015). Incheon Declaration and Framework for Action. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000245656
  5. Earth Charter. (2023). UNESCO Special Committee Meeting on the revision of the 1974 Recommendation successfully concluded with a proposed revised text. https://earthcharter.org/unesco-revision-of-the-1974-recommendation/
  6. 📷 UNESCO (2024). The UNESCO Recommendation on Education for Peace, Human Rights and Sustainable Development: an explainer. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000388330

 

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A biblioteca como pilar da integridade da informação

15 de Janeiro de 2024, 09:30

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Na sequência do lançamento do Resumo de Políticas Information Integrity on Digital Platforms [link do artigo anterior] e, em parceria com a Federação Internacional de Associações e Instituições de Bibliotecas (IFLA), a Biblioteca Dag Hammarskjold da sede das Nações Unidas, Nova Yorque, organizou um encontro com bibliotecários, organizações de apoio às bibliotecas dos 5 continentes e membros da ONU, como a Subsecretária-Geral para Comunicações Globais, Melissa Fleming e a responsável pela integridade da informação, Charlotte Scratton.

O objetivo é “determinar onde e como as mais de 2,8 milhões de bibliotecas do mundo poderiam ajudar a alcançar os objetivos do futuro Código de Conduta para a Integridade da Informação” e reforçar a coerência e ambição [2].

O Relatório Preliminar do encontro, que serve de base a este artigo, apresenta 10 pontos de convergência que destacam “a biblioteca como infraestrutura-chave” para alcançar a integridade da informação pública e apresentam soluções concretas.

1. Ao destacar a importância do “acesso a informações exatas, coerentes e fiáveis” nas sociedades da informação atuais, Information Integrity on Digital Platforms preenche uma lacuna da Agenda 2030. Segundo Melissa Fleming, “um ecossistema de informação saudável não pode ser considerado um dado adquirido, mas precisa de atenção e investimento sustentados” e esta pode ser uma missão fundamental de todas as bibliotecas, ao enfatizarem a importância da informação e “ajudarem os utilizadores a utilizar a informação de forma eficaz e ética”.

2. “Precisamos de uma forte infraestrutura de instituições e pessoas que trabalhem para promover a integridade da informação nas comunidades” e as bibliotecas podem garantir esta oferta de forma personalizada. Intervenções exclusivamente a nível macro, por exemplo, ao nível das plataformas, podem ter efeitos prejudiciais.

3. Confiança na internet: “Não devemos tornar-nos negacionistas da Internet, mas sim procurar enfrentar os desafios que ela traz, de forma responsável e eficaz. Em alguns casos, tecnologias como a inteligência artificial podem ajudar a fornecer soluções […] A credibilidade na Internet exige transparência e regras eficazes, mas também utilizadores com competências e confiança”.

4. Só se pode garantir um ecossistema de informação saudável (healthy information ecosystem) – no qual há oportunidades “de acesso a informação exata, coerente e fiável” e em que estas são efetivamente acedidas pelos cidadãos - promovendo “uma prática científica ética”, o acesso livre e a ciência/educação, que “facilita a verificabilidade” e responde ao direito de cada um à informação.

5. Para promover um currículo completo (full curriculum) junto das crianças e jovens, “as bibliotecas são suportes naturais para os esforços de verificação de factos”, para aproximação à imprensa de qualidade – “bibliotecas e jornalistas são aliados naturais” - e desenvolvimento da argumentação.

6. As pessoas têm um sentido de curiosidade natural e uma necessidade de ter voz no espaço público. Quando têm medo da complexidade e incerteza existentes no mundo e aceitam ideias sem espírito crítico, “a desinformação e o discurso de ódio prosperam”. Ora, “Esta curiosidade é algo que se pode desenvolver através da exposição a um leque mais alargado de ideias e materiais desde tenra idade, por exemplo, através das bibliotecas”. É importante que esta curiosidade seja alimentada pelo “valor do jornalismo de qualidade, da ciência ética e da informação fiável”.

7. A IA (Inteligência Artificial) acrescenta “um novo nível de complexidade ao funcionamento da Internet e à forma como a experimentamos”, pelo que é fundamental a partilha de “experiência e conhecimentos sobre ética da informação na conceção de sistemas de IA” e “o desenvolvimento da literacia em IA entre os utilizadores da Internet de todas as idades - algo que as bibliotecas estão bem posicionadas para apoiar”.

8. As bibliotecas são “os atores de referência na promoção do respeito e do interesse por informação de qualidade”, promovendo “a verificação dos factos, ajudando estudantes, investigadores e profissionais a aprender a encontrar a informação correta e dando às pessoas as ferramentas para se manterem seguras na internet. A nível local, por exemplo, quando os governos municipais estão a tentar desenvolver a inclusão e os direitos digitais, a biblioteca é muitas vezes o principal ator”.

9. O Relatório Preliminar destaca ainda a necessidade de as bibliotecas contribuírem para promover a “compreensão da integridade da Informação e questões conexas em todas as partes do mundo”, o que exige a criação de instrumentos e materiais diversos, que tenham em contam culturas e necessidades diferentes da Europa e América do Norte, geografias nas quais esta investigação tem estado centrada. 

10. A eficácia de um ecossistema de informação saudável que garanta a integridade da Informação pública implica a colaboração de uma variedade de intervenientes e as bibliotecas têm esta capacidade de mobilização. Apoiam ainda o jornalismo e meios de comunicação independentes, criam oportunidades de verificação de factos, proporcionam acesso aberto e publicações científicas abertas e formam utilizadores de Internet confiantes e seguros, valorizando “uma informação exata, coerente e fiável”.

Concluindo, quando se pretendem implementar soluções de baixo para cima (bottom-up) que envolvam o maior número de pessoas, as bibliotecas escolares que trabalham no terreno com as crianças e jovens, têm um papel fundamental no combate à poluição da informação (information pollution) – informações falsas, enganosas, manipuladas [3] - que se dissemina muito mais rapidamente do que a proveniente de fontes fiáveis e corrói a confiança nas instituições democráticas, gera oposição às políticas públicas (climáticas, de inclusão social…) e violações aos direitos humanos e dificulta o alcance da Agenda 2030.

Referências

  1. Fleming, Melissa. (2023). Healing Our Troubled Information Ecosystem. https://melissa-fleming.medium.com/healing-our-troubled-information-ecosystem-cf2e9e8a4bed
  2. (2023). Pillars of Information Integrity. https://repository.ifla.org/handle/123456789/3136
  3. Oslo Governance Centre. (2023). Information Integrity. https://www.undp.org/policy-centre/oslo/information-integrity
  4. 📷 [1.]

 

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27 de octubre: el Día Mundial del Patrimonio Audiovisual 2023

Por Rebeca Hernández — 27 de Outubro de 2023, 05:48

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Enfrentar o discurso de ódio através da educação

18 de Outubro de 2023, 08:00

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Entende a UNESCO que enfrentar o desafio do discurso de ódio é um problema urgente para as sociedades de todo o mundo.

Avanços recentes nas tecnologias da informação, nas comunicações e nos meios de comunicação de massa online alteraram de forma significativa o ritmo e o alcance de sua disseminação, o que levou a um aumento alarmante na proliferação e nos impactos do discurso de ódio dirigido a indivíduos e grupos.

O discurso de ódio representa uma ameaça direta à realização da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, pois compromete os direitos humanos e a coesão social, desafia a segurança dos membros de grupos-alvo e das sociedades democráticas, e reduz o potencial para as pessoas terem experiências de vida equitativas em comunidades multiétnicas e multiculturais.

Assim, é imperativo que os governos locais, regionais e nacionais, assim como as organizações internacionais, abordem a proliferação desse tipo de discurso.

Considera a UNESCO que lutar contra o discurso de ódio depois de ele acontecer não é suficiente, devendo ser evitado, combatendo-se as suas causas profundas através da educação. As estratégias para moderar e reduzir a sua propagação exigem apoio e investimento em abordagens educativas que sensibilizem e fortaleçam a resiliência dos estudantes que possam vir a ter contacto com esse tipo de discurso.

Diante disso, a UNESCO publicou recentemente Enfrentar o discurso de ódio por meio da educação: Um guia para formuladores de políticas[i] que tem como objetivo deslocar a questão do discurso de ódio, que enfoca quase exclusivamente a correção através da vigilância e da monitorização, para o combate ao problema através da educação, uma abordagem consistente com a Estratégia e Plano de Ação das Nações Unidas contra o Discurso de Ódio, lançada em 2019, que enfatiza a necessidade de se enfrentar as causas e os aspetos motivadores, ao mesmo tempo que os seus impactos são mitigados.

Também é consistente com os esforços da UNESCO para aperfeiçoar capacidade de os sistemas educativos enfrentarem os desafios mundiais à paz, à justiça, aos direitos humanos, à igualdade de género, ao pluralismo, ao respeito à diversidade e à democracia.

Principais recomendações

1. Priorizar a questão do discurso de ódio e tomar medidas para combatê-lo com planos de implementação concretos, incluindo marcos de ação e alocações orçamentárias.

2. Integrar os esforços para combater o discurso de ódio nas iniciativas existentes do setor de educação para fornecer uma abordagem integral da questão.

3. Garantir que as estratégias aplicadas para enfrentar o discurso de ódio defendam o direito à liberdade de expressão.

4. Estabelecer e implementar orientações e mecanismos claros para apoiar indivíduos e grupos que são alvo do discurso de ódio em ambientes educativos, incluindo mecanismos claros de denúncia e normas de conformidade.

5. Incorporar nos currículos formais atividades educativas que abordem as causas profundas do discurso de ódio, prestando especial atenção às desigualdades históricas e contemporâneas.

6. Criar e atualizar continuamente os currículos relativos a Alfabetização Mediática e Informacional e cidadania digital.

7. Incluir nos currículos atividades educativas para fortalecer habilidades de pensamento crítico, aprendizagem social e emocional, diálogo intercultural e cidadania global, a fim de promover a mudança de comportamento pró-social necessária para enfrentar o discurso de ódio e promover a inclusão e a diversidade.

8. Incentivar atividades extracurriculares que conduzam ao pensamento crítico e ao diálogo intercultural e que sejam capazes de contribuir para um ambiente inclusivo.

9. Desenvolver e implementar mecanismos para incentivar e capacitar as escolas a garantir que o clima de aprendizagem nas salas de aula seja seguro, respeitoso e inclusivo, para que se tornem modelos de diversidade e inclusão, e para que cultivem uma abordagem de toda a escola nos esforços destinados a enfrentar o discurso de ódio.

10. Fornecer aos educadores e aos líderes escolares formação em serviço para dotá-los de novas abordagens educacionais, para que sejam capazes de responder e enfrentar o discurso de ódio nas suas atividades diárias e nas interações com os estudantes.

11. Construir a resiliência dos sistemas educacionais por meio de um esforço integrado, incluindo o apoio familiar e comunitário e parcerias com várias partes interessadas.

12. Estabelecer critérios para avaliar e analisar a eficácia das intervenções que visam a enfrentar o discurso de ódio.

E as bibliotecas?

Se algumas das recomendações elencadas implicam decisões políticas e planos de ação detalhados, outras podem ser assumidas desde já, estando perfeitamente alinhadas com aquela que é ação das bibliotecas, tal como se encontra modelada pelo Quadro Estratégico da Rede de Bibliotecas Escolares.

Assinalamos a negrito pontos de contacto com o nosso trabalho, encontrando-se à cabeça, naturalmente, a sexta recomendação, que põe a tónica na a Alfabetização Mediática e Informacional e cidadania digital, uma preocupação que a RBE tem colocado na agenda das bibliotecas já há muito tempo, especialmente desde 2012, quando publicou o referencial Aprender com a Biblioteca Escolar. A mesma preocupação tem sido espelhada em propostas de trabalho como o concurso Medi@ação, o Projeto Debaqi, a iniciativa Da tua biblioteca ao Público ou mesmo os Miúdos a votos. O imperativo deste trabalho tem sido também evidenciado pelo facto de a literacia dos media e da informação ser prioridade para as bibliotecas escolares desde 2020.

Também as recomendações que remetem para a interculturalidade e questões de cidadania estão perfeitamente alinhadas com a ação que tem vindo a ser desenvolvida pelas bibliotecas, indo ao encontro do propósito do eixo Pessoas: “Garantir que as bibliotecas são organizações que promovem a defesa da dignidade humana e da justiça, o compromisso com a equidade e o valor da diversidade, da democracia e da liberdade”.

Continuemos pois, a nossa labuta diária, fortalecendo o pensamento crítico e a inclusão, na certeza de que estamos a fazer a nossa parte na defesa da paz, da justiça e dos direitos humanos.

 

[i] UNESCO (2023) Enfrentar o discurso de ódio por meio da educação: Um guia para formuladores de políticas. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000387092/PDF/387092por.pdf.multi

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UNESCO apresenta Guia para IA generativa em educação e investigação [1]

21 de Setembro de 2023, 08:00

2023-09-21.png“Rumo a uma abordagem centrada no ser humano para o uso de IA generativa”[2]

Desde final de novembro de 2022, as ferramentas de inteligência artificial generativa têm-se multiplicado rapidamente, sem dar tempo aos governos e às instituições educativas de se posicionarem face às mesmas nem de criarem orientações ou regulamentação. A ausência de regulamentação sobre inteligência artificial generativa na maioria dos países deixou a privacidade dos dados dos utilizadores desprotegida e as instituições educativas sem preparação para validar as ferramentas, pelo que se afigurava urgente dar um passo nesse sentido.

Assim, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) publicou, no dia 7 de setembro de 2023, um texto para orientar o uso de ferramentas de inteligência artificial generativa em contexto educativo e investigação[3], que visa apoiar os países a implementar ações imediatas, planificar políticas de longo prazo e desenvolver a capacidade de garantir uma visão centrada no ser humano no uso destas novas tecnologias, mitigando potenciais riscos para os valores humanísticos fundamentais.

De acordo com a Recomendação sobre a Ética da lnteligência Artificial [4], o presente documento está ancorado numa abordagem humanista da educação e responde ao apelo do relatório de 2021 da Comissão Internacional- Reimaginar os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação [5], apontando a necessidade de redefinir a nossa relação com a tecnologia, como parte integrante dos esforços para renovar o contrato social para a educação.

O documento recentemente publicado propõe etapas importantes para as agências governamentais regularem o uso de inteligência artificial generativa, sublinhando a obrigatoriedade da proteção da privacidade dos dados, a necessidade de se estabelecer um limite de idade para o seu uso em contexto educativo e de programas de formação de professores sobre o tema, de modo a garantir o seu uso ético e eficaz.

Assim, o guia agora publicado enfatiza o facto de ser imperativo que as instituições educativas validem os sistemas de inteligência artificial generativa de acordo com princípios éticos e pedagógicos, para trazer efetivos benefícios a alunos, professores e investigadores, e deixa um apelo à comunidade internacional para que reflita e debata sobre as implicações futuras da inteligência artificial generativa no conhecimento, ensino, aprendizagem e avaliação.

Resumo do Guia da UNESCO

O documento é constituído por seis capítulos:

O primeiro capítulo procura esclarecer o que é a inteligência artificial generativa e a forma como funciona, salientando a sua especificidade e limitações, nomeadamente o facto de per se não poder gerar novas ideias ou soluções para os desafios do mundo real (não apreende o mundo real, objetos nem as relações sociais que sustentam a linguagem) e de não ser isenta de erros. Apresenta ferramentas alternativas ao ChatGPT, de acesso aberto ou gratuito, e outros produtos baseados em LLM (Large Language Model) para criar texto, imagem, som, o que requer competências e capacidades muito precisas aquando da interação com esses sistemas para efetivamente tirar partido das suas potencialidades.

O segundo capítulo centra-se nas controvérsias em torno da inteligência artificial generativa e suas implicações para a educação e investigação, alertando os decisores políticos para a necessidade de tomar medidas urgentes para impedir o agravamento das assimetrias resultantes do acesso desigual à criação, controlo e acesso a modelos de inteligência artificial generativa.

É preciso que os utilizadores desenvolvam uma capacidade crítica face às orientações, valores, padrões culturais e costumes sociais incorporados nos modelos de inteligência artificial generativa, para evitar a propagação de deepfakes e polarização. Os outputs podem parecer ser bastante precisos e convincentes, mas, como os dados de treino GPT (Generative Pre-Trained Transformer) são normalmente extraídos da internet, muitas vezes contêm erros e ideias tendenciosas, por isso é fundamental validar a informação e isso requer conhecimentos e capacidades sólidos que têm de ser desenvolvidos. Estes modelos podem, também, reduzir a diversidade de opiniões e marginalizar ainda mais as vozes já marginalizadas, já que os outputs gerados representam somente a visão mais comum ou dominante do mundo no momento em que os seus dados de treino foram produzidos.

O terceiro capítulo detém-se na urgência de regulamentar o uso de inteligência artificial generativa em contexto educativo, para atenuar as controvérsias que gera e aproveitar os potenciais benefícios, o que implica várias etapas e medidas políticas baseadas numa abordagem centrada no ser humano para garantir a sua relevância, ética, segurança e equidade. Assim, neste capítulo propõem-se alguns passos para regular a inteligência artificial generativa na educação e elementos-chave a considerar aquando da elaboração das regulamentações.

No que concerne ao limite de idade para o uso de inteligência artificial generativa, a maioria das aplicações ou ferramentas são projetadas principalmente para utilizadores adultos, pois implicam riscos para crianças, incluindo a exposição a conteúdos inadequados ou uma potencial manipulação. À luz destes riscos, é fortemente recomendada uma idade limite para o uso das tecnologias de IA de uso geral a fim de proteger os direitos e o bem-estar das crianças.

Atualmente, os termos de uso do ChatGPT exigem que os utilizadores tenham, pelo menos, 13 anos de idade, sendo que os utilizadores com menos de 18 anos devem ter permissão dos pais para usar os seus serviços [6], no entanto, já se pondera aumentar esse limite, passando de 13 para 16 anos. O Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia[7] (2016) especifica que os utilizadores devem ter pelo menos 16 anos para usar os serviços dos media sociais sem permissão dos pais.

O aparecimento recente de vários chatbots de inteligência artificial generativa exige que os governos dos diferentes países considerem cuidadosamente – e deliberem publicamente – a idade limite apropriada para conversas independentes com plataformas de inteligência artificial generativa, considerando que o limite mínimo deveria ser 13 anos de idade, e, ainda, formas de verificação do cumprimento desse requisito.

O quarto capítulo procura fixar um quadro político que oriente a utilização de inteligência artificial generativa na educação e investigação, pois somente alguns países adotaram políticas ou planos específicos para o uso da IA nesse contexto específico. São sugeridas recomendações e medidas concretas, sendo o ponto de partida AI and education: guidance for policy-makers (Unesco, 2021) [8].

As oito medidas específicas para orientar governos na formulação, desenvolvimento e implementação de políticas setoriais e específicas sobre IA em educação são:

1- Promover a inclusão, a equidade, a diversidade linguística e cultural;

2- Proteger a “agência” humana, a capacidade dos seres humanos de fazerem escolhas, de exercerem o seu livre-arbítrio e de tomarem decisões de forma independente.

3- Monitorizar e validar sistemas de inteligência artificial generativa para a educação;

4- Desenvolver competências de inteligência artificial generativa nos alunos;

5- Capacitar professores e investigadores para fazerem um uso adequado da inteligência artificial generativa;

6- Promover a expressão de ideias plurais;

7- Testar localmente a relevância de modelos de inteligência artificial generativa e criar uma base de evidências;

8- Analisar as implicações da inteligência artificial generativa a longo prazo numa perspetiva intersetorial e interdisciplinar.

O quinto capítulo enfatiza a necessidade de facilitar o uso criativo da inteligência artificial generativa em contexto educativo e ao nível da investigação, pois estas podem ser usadas produtivamente em ambientes educativos trazendo grandes benefícios. Assim, apresenta estratégias institucionais para facilitar o uso responsável e criativo dessas ferramentas e plataformas, sublinhando a necessidade de priorizar, na interação entre humanos e ferramentas de IA, critérios pedagógicos, devendo o recurso a essas ferramentas contribuir para satisfazer necessidades dos seres humanos e tornar a aprendizagem e a investigação mais eficazes. Por isso, a seleção das ferramentas e conteúdos deve atender à faixa etária dos alunos, aos resultados esperados e ao tipo de conhecimento que se procura desenvolver (factual, concetual, processual ou metacognitivo), sendo muito importante uma monitorização contínua.

O sexto e último capítulo foca-se no futuro da inteligência artificial generativa na educação e investigação, prevendo um impacto a médio e longo prazo cujos contornos ainda são desconhecidos, daí a necessidade de atenção imediata e de uma análise mais aprofundada, atendendo a questões éticas, direitos autorais e propriedade intelectual, fontes de conteúdo e de aprendizagem, avaliação e resultados de aprendizagem. Sublinha-se a ideia de que o recurso à inteligência artificial generativa deve promover a criatividade, a colaboração, o pensamento crítico e outras competências/ habilidades de pensamento de ordem superior.

Considerações finais

Na perspetiva de uma abordagem centrada no ser humano, as ferramentas de inteligência artificial generativa devem ser projetadas para aumentar capacidades intelectuais humanas e competências sociais, pondo-as ao serviço de um futuro inclusivo e sustentável.

A inteligência artificial generativa deve ser posta ao serviço da educação e da investigação, todavia todo o processo deve ser rigorosamente acompanhado e orientado para uma abordagem centrada no ser humano.

Somente desse modo se poderá garantir que as potencialidades da IA, em particular, e de todas as outras tecnologias utilizadas na educação, de forma mais ampla, irão efetivamente melhorar as capacidades humanas e construir futuros digitais para todos.

Referências

  1. Tradução nossa do título Guidance for generative AI in education and research.
  2. Frase utilizada por Stefania Giannini, assistente da Diretora-Geral da UNESCO para a Educação, no prefácio do documento Guidance for generative AI in education and research, da UNESCO (2023). https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386693 .
  3. UNESCO (2023). Guidance for generative AI in education and research. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386693 .
  4. UNESCO (2022). Recomendação sobre a Ética da inteligência Artificial. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381137_por . Ver artigo Estados-membros da UNESCO adotam o Acordo Mundial sobre Ética da Inteligência Artificial (IA).
  5. UNESCO (2021). Reimaginar nossos futuros juntos : um novo contrato social para a educação. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381115. Ver artigo Reimaginar os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação .
  6. Essas restrições encontram-se na Lei de Proteção da Privacidade Online das Crianças, dos Estados Unidos da América- Federal Trade Commission (1998).  Children’s Online Privacy Protection Act of 1998. https://www.ftc.gov/legal-library/browse/rules/childrensonline-privacy-protection-rule-coppa
  7. Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho (27 de abril de 2016). https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:02016R0679-20160504
  8. UNESCO (2021). AI and education: guidance for policy-makers. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000376709

Poderá querer ler

 

Estados-membros da UNESCO adotam o Acordo Mundial sobre Ética da Inteligência Artificial (IA)

 

 

 

Reimaginar os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação

 

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UNESCO – GEM: Tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?

20 de Setembro de 2023, 08:00

2023-09-20.pngA Educação 2030: Declaração de Incheon e Quadro de Ação determina que o Relatório de Monitorização Global da Educação (Global Education Monitoring – GEM) seja “o mecanismo para orientar a monitorização e a elaboração de relatórios sobre o ODS 4” [2], para informar sobre as estratégias nacionais e internacionais e ajudar na responsabilização pelos compromissos dos Estados Membros no setor da educação e no acompanhamento e revisão geral dos ODS.

O Relatório GEM 2023 é elaborado quando se atingiu metade do tempo da Agenda 2030 (2015 – 2030), por uma equipa independente da UNESCO e, na sequência de um processo exaustivo de consulta dos países. De periocidade anual e baseado em evidências/ factos, centra-se este ano na resposta à questão, “A tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?”.

O resumo do Relatório em português [2], principal fonte deste artigo, segue a estrutura do Relatório integral e divide-se em duas partes: a primeira sobre Tecnologia em Educação e a segunda sobre Monitorização da Educação, tendo em conta os sete indicadores do ODS 4 – “Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Neste artigo, focamo-nos na primeira parte, a mais extensa do GEM 2023.

Potencialidades das tecnologias digitais

Caminhamos para o acesso universal à internet: “Em todo o mundo, a percentagem de utilizadores de internet aumentou de 16% em 2005 para 66% em 2022” (Resumo GEM 2023, p. 8) e isto é importante porque a tecnologia acessível pode gerar inúmeras oportunidades:

  • Cria acessibilidade e personalização a estudantes com deficiência, que vivem em regiões de difícil acesso (ensino à distância) ou que não são nativos, produzindo recursos multimodais e plurilingues;

  • Facilita a distribuição, aumentando exponencialmente o acesso a recursos/ conteúdos de ensino e aprendizagem digitais/ digitalizados;

  • Cria ambientes de aprendizagem – formal e informal - flexíveis, criativos, colaborativos, com partilha de recursos e experiências;

  • Reduz os custos dos recursos educativos e da formação de professores;

  • Torna a aprendizagem significativa, aumentando a motivação – “As crianças podem aprender sem elas. No entanto, é improvável que a educação seja igualmente relevante” (Resumo GEM 2023, p. 8). Permite o uso de ferramentas que, integradas na aprendizagem, potenciam-na - exemplo, “43 estudos publicados de 2008 a 2019 apontou que jogos digitais traziam melhorias em resultados cognitivos e comportamentais em matemática” (Resumo GEMN 2023, p. 15);

  • Facilita a avaliação do que foi aprendido e a gestão de dados, permitindo poupar tempo - “Melhorias em eficiência talvez sejam a forma mais promissora pela qual a tecnologia digital possa fazer diferença na educação” (Resumo GEM 2023, p. 10).

Principal problema: Escassez de evidências sólidas e imparciais que apoiem a decisão

Não obstante o seu potencial, a experiência recente da pandemia Covid-19 evidenciou que “Muitos não conseguem aceder a ela, não conseguem usá-la para ensinar, pode não se adaptar à maneira como aprendemos” e que “nada supera a interação humana. Aprendemos melhor uns com os outros” e presencialmente. As tecnologias digitais devem ser “utilizadas para apoiar uma educação baseada na interação humana em vez de a substituírem” [3].

O Relatório apela aos decisores em educação para questionarem: “Em que termos usamos a tecnologia na educação? É apropriada para o que precisamos, deixa alguém para trás, vale a pena o investimento?” [3]. Quais são os riscos e oportunidades para a nossa humanidade/ direitos, privacidade/ segurança e para o planeta/ ambiente?

Adota uma abordagem crítica sobre Tecnologia e Educação:

Nem toda mudança constitui progresso. O fato de que algo pode ser feito não significa que deva ser feito. A mudança precisa de acontecer de acordo com as necessidades dos estudantes para evitar a repetição de um cenário como o observado durante a pandemia da COVID-19, quando uma explosão de ensino à distância deixou centenas de milhões de pessoas para trás.

Não se pode esperar que a tecnologia criada para outros usos seja necessariamente adequada em todos os ambientes educacionais para todos os estudantes. Tampouco se pode esperar que as regulamentações estabelecidas fora do setor educacional cubram necessariamente todas as necessidades da educação” (Resumo GEM 2023, p. 23).

Nas Mensagens Principais com que a UNESCO abre o Relatório, destaca que “Evidências sólidas e imparciais do impacto da tecnologia educacional são escassas”. A maior parte das evidências são produzidas pelas empresas que querem vender as tecnologias. Por exemplo, a Pearson, empresa com fins educativos e a maior editora de livros do mundo com uma estratégia muito focada no digital, financiou os próprios estudos, contestando “uma análise independente que demonstrava que os seus produtos não tinham impacto algum” na melhoria de competências dos alunos (Resumo GEM 2023, p. 15).

A maior parte das discussões sobre tecnologia educativa foca-se mais na tecnologia do que na educação, quando devia ser o inverso: A tecnologia será capaz de ajudar a resolver os desafios mais importantes da educação?” Quais são os principais desafios da educação? (Resumo GEM 2023, p. 10).

  1. Igualdade e inclusão para que cada um possa realizar o seu potencial através da educação – “como é que a educação se poderia tornar a grande equalizadora?

  2. Qualidade dos conteúdos e da oferta da educação para que a Agenda 2030 possa ser alcançada – “como é que a educação pode ajudar os estudantes, não somente a adquirir conhecimento, mas também a serem agentes de mudança” na sociedade?

  3. Eficiência – a educação será capaz de equilibrar a aprendizagem individualizada com as necessidades de socialização - proporcionando convivência e interação entre pessoas diferentes na vida real – e da sociedade? Segundo o Relatório, a qualidade da educação tem de incluir resultados sociais com ligação à vida das pessoas: menor desigualdade, equilíbrio ambiental, democracia, bem-estar.

A falta de dados sobre os efeitos das tecnologias digitais nas aprendizagens resulta da rapidez com que as mudanças no setor se processam – “não há tempo de fazer avaliações para fundamentar decisões sobre legislação, políticas e regulamentação” – e da pressão dos agentes comerciais, por exemplo editoras e livreiros, para que os sistemas educativos se adaptem a elas. No entanto, é necessário ceder ao fascínio comercial pela novidade e ao FOMO (fear of missing out/ medo de ficar de fora).

De acordo com o Relatório, o uso de tecnologia teve efeitos moderados a baixos em algumas aprendizagens – por exemplo, “a avaliação de 23 aplicativos de matemática usados no nível primário demonstrou que eles se concentravam em memorização e prática, em vez de competências avançadas” (Resumo GEM 2023, p. 6).

São vários os exemplos de países em que se verifica que as aprendizagens não melhoram com o ensino exclusivamente remoto ou com a entrega de equipamentos com conteúdos didáticos, sem integração em formação e apoio a professores e alunos.

Na prática, o uso de TIC em sala de aula “não é significativo, inclusive nos países mais ricos do mundo” – por exemplo, segundo o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA) 2018, em média, apenas “10% dos estudantes de 15 anos, em mais de 50 sistemas educacionais participantes usaram aparelhos digitais por pelo menos uma hora por semana para aulas de matemática” (Resumo GEM 2023, p. 14).

Destaca que “a tecnologia não precisa ser avançada para ser efetiva” (p. 6). Em alguns contextos, gravações de aula e sua transmissão através de rádio, televisão e telemóvel básicos, associadas a textos impressos, foi eficaz.

Relativamente à introdução de Inteligência Artificial na educação, já se usam sistemas inteligentes de ensino que monitorizam progressos, dificuldades/ erros, dão retorno, apoiam a realização de trabalhos, identificam plágio, automatizam tarefas repetitivas, aumentando na escola a pressão para desenvolver competências de nível superior. Relativamente ao uso de IA generativa, ao permitir “simplificar o processo de obter respostas”, pode “exercer um impacto negativo na motivação do estudante de conduzir pesquisas independentes e achar soluções” (Resumo GEM 2023, p. 12).

O Relatório defende que há evidências de que algumas tecnologias digitais, em alguns contextos, melhoram as aprendizagens, mas é preciso que sejam feitos e divulgados amplamente mais e melhores estudos imparciais. 

Pergunta “o que significa ser uma pessoa bem-educada num mundo moldado pela inteligência artificial” e afirma que “a resposta ideal provavelmente não será maior especialização em domínios relacionados à tecnologia; em vez disso, é um currículo equilibrado” com “oferta de artes e humanidades para reforçar a responsabilidade, a empatia, a moral, a criatividade e a colaboração dos estudantes” (Resumo GEM 2023, p. 12).

Este artigo terá continuação no dia 27/09/2023.

💡Pode gostar de ler GEM 2020 sobre Inclusão e Educação.

 Referências

  1. Fonte da imagem: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? UNESCO. https://www.unesco.org/gem-report/en/technology
  1. Resumo do Relatório em Português: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? (p. 3). UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por
  1. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). GEM Report: Technology in education: A tool on whose terms [vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=1SOySp8QJtk
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