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ONU & IFLA: Integridade da informação e biblioteca

8 de Janeiro de 2024, 09:00

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Definição

Segundo Information Integrity on Digital Platforms, “integridade da informação refere-se à precisão, consistência e confiabilidade da informação [sublinhado nosso]” (UN, 2023, p. 5) [1]. Expressão frequentemente usada na computação, designa a qualidade de dados não adulterados e validados por especialistas.

Information Integrity on Digital Platforms é o oitavo de uma série de 11 Resumos de Políticas (Policy Brief) das Nações Unidas publicados entre março e setembro de 2023, que reflete sobre as implicações da desinformação e do discurso de ódio “na confiança [das instituições], segurança, democracia e desenvolvimento sustentável” (p. 10), considerando-os ameaça civilizacional e existencial.

Reconhece que a integridade da informação é uma prioridade política: previne o discurso falso e de ódio/polarizado que afeta sobretudo grupos vulneráveis, torna o ambiente digital menos inclusivo e representativo, exacerba conflitos e gera falta de coesão social, faz crescer o movimento anti-vacinação (“infodemia”) e pseudo-ciência, inibe a ação climática, influencia eleições e faz retroceder a governação democrática e a paz.

Esclarece que este não é um problema novo, mas que o surgimento de plataformas digitais, confere-lhe uma dimensão exponencial. Criado intencionalmente ou não, inclusive por atores estatais, afeta todos os setores do desenvolvimento, podendo comprometer o alcance da Agenda 2030 (esquema síntese, p. 13).

Código de Conduta

Information Integrity on Digital Platforms propõe um conjunto de princípios para um Código de Conduta para a Integridade da Informação em Plataformas Digitais que visa construir um “espaço digital mais inclusivo e seguro”, no qual se experiencie o “direito à liberdade de opinião e expressão e o direito de acesso à informação” (p. 2).

O Código de Conduta das Nações Unidas baseia-se em 9 princípios, dos quais se destacam os seguintes:

- Compromisso com a integridade da informação: “Todas as partes interessadas devem abster-se de usar, apoiar ou ampliar a informação falsa e o discurso de ódio para qualquer finalidade” (pp. 19, 20);

- Respeito pelos direitos humanos: “Os Estados-membros devem: (i) Assegurar que as respostas à informação falsa e ao discurso de ódio (…) não sejam utilizadas de forma a bloquear qualquer expressão legítima de pontos de vista ou opinião, inclusive por meio de desligamentos gerais da Internet ou proibições de plataformas ou meios de comunicação” (p. 19);

- Apoio a média independente e a “organizações independentes de verificação de factos nos idiomas locais” e garantir relatórios independentes e éticos e condições de trabalho para jornalistas (pp. 19, 20);

- Aumento da transparência: “As plataformas digitais devem: (i) Garantir transparência significativa em relação aos algoritmos, dados, moderação de conteúdo e publicidade. (ii) Publicar e divulgar políticas acessíveis sobre informação falsa, desinformação e discurso de ódio” (p. 20);

- Empoderamento/capacitação dos utilizadores: “Os Estados-membros devem garantir o acesso público a informações governamentais corretas, transparentes e de fontes confiáveis, particularmente informações que atendam ao interesse público, incluindo todos os aspetos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” (p. 20);

- Maior confiança e segurança: “As plataformas digitais devem: (i) Garantir a segurança e a privacidade (…) juntamente com a aplicação consistente de políticas em todos os países e idiomas. (ii) Investir em sistemas de moderação de conteúdo feitos por inteligência humana e artificial em todos os idiomas (…) tomar medidas urgentes e imediatas para garantir o uso seguro, protetor, responsável, ético e compatível com os direitos humanos da inteligência artificial” (p. 21).

A aprovação deste Código de Conduta pelos Estados-Membros, que ocorrerá na Cimeira do Futuro de setembro de 2024, surge no contexto da aprovação, em 2022, do Código de Conduta em matéria de Desinformação da UE, cujas plataformas e empresas de publicidade signatárias - das quais o Twitter/X se retirou - se comprometem voluntariamente a:

- Reduzir os incentivos financeiros dos fornecedores de desinformação;

- Adotar medidas de transparência de publicidade política;

- Garantir a integridade dos serviços (informando e combatendo contas falsas, usurpação de identidade e deepfakes);

- Capacitar os utilizadores;

- Cooperar com a comunidade de verificação de factos;

- Proporcionar aos investigadores um melhor acesso aos dados [2].

O papel das bibliotecas

No seu parecer sobre este Resumo de Políticas, a IFLA, em representação de todos os setores das bibliotecas, considera muito positivo que o Secretário-Geral das NU reconheça a importância do acesso universal a informação fiável e da capacitação do utilizador, dando enfoque a uma literacia digital mais ampla que inclui saber lidar com a desinformação e o discurso de ódio e ter controlo sobre os próprios dados [3].

Celebra e associa-se ao “apoio aos meios de comunicação independentes de qualidade” e de “organizações independentes de verificação de factos, que desempenham um papel cada vez mais importante” e à necessidade de regulação para transparência das plataformas digitais que o documento destaca, bem como à importância destas soluções se aplicarem em todo o mundo e não apenas nos países ricos.

A IFLA tece “áreas para melhoria”, designadamente: “promover o acesso a toda a informação, e não apenas à que chega através da imprensa ou do governo”, conforme o artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e “o papel da ciência e, em particular, do acesso aberto e da ciência aberta” e das bibliotecas, cujo papel o documento não refere e que promovem o pensamento crítico/livre sobre informação de qualidade e jornalismo e media locais e dos cidadãos.

Em Bibliotecas como Pilares da Integridade da Informação [4], a IFLA sublinha que as bibliotecas “há muito que não só compreenderam a necessidade de informação fiável, verificável e precisa, como também a forneceram [sublinhado nosso] e podem contribuir para políticas futuras no setor.

Em geral, este Resumo de Políticas marca uma oportunidade de as bibliotecas reforçarem, no terreno, a sua participação no combate à desinformação, através da capacitação dos utilizadores e do reforço do investimento em outros setores interligados, dos quais é responsável, como a defesa do acesso aberto, da privacidade e da segurança.

Nota conclusiva

Sobre o contexto/implicações da integridade da informação, o Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2023 da ONG francesa, Reporters Without Borders, conclui que “o ambiente para o jornalismo é ‘mau’ em sete em cada dez países” e que o “jornalismo está ameaçado pela indústria de conteúdo falso” das redes sociais, fonte de notícias preferida dos cidadãos [5].

“Pelo 19º ano consecutivo, a governação democrática sofreu um declínio global”, afirma o relatório global anual da americana Fredoom House 2023. “A pontuação da democracia diminuiu em 11 dos 29 países do relatório” e os governos autocráticos “persistem no seu ataque interno aos restantes vestígios de independência institucional nos meios de comunicação social, na governação local e, sobretudo, na sociedade civil” [6].

A desinformação, o declínio da imprensa independente/livre, a repressão da liberdade de expressão e a censura são sintoma e terreno propício para crescimento de governos autocráticos/autoritários.

 

Artigos RBE sobre Resumos de Políticas das NU:

Referências

  1. United Nations. (2023, June). Our Common Agenda - Policy Brief 8: Information Integrity on Digital Platforms. https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/our-common-agenda-policy-brief-information-integrity-en.pdf

        Versão em português do Brasil:

  1. Comissão Europeia. (2022). O Código de Conduta em matéria de Desinformação de 2022. https://digital-strategy.ec.europa.eu/pt/policies/code-practice-disinformation
  2. (2023, 22 Jun.). UN Secretary General’s Policy Brief on Information Integrity. https://www.ifla.org/news/un-secretary-generals-policy-brief-on-information-integrity/
  3. (2023, 6 Dec). Libraries as Pillars of Information Integrity: Event Report Released. https://www.ifla.org/news/libraries-as-pillars-of-information-integrity-event-report-released/
  4. Reporters Without Borders. (2023). 2023 World Press Freedom Index. https://rsf.org/en/2023-world-press-freedom-index-journalism-threatened-fake-content-industry
  5. Fredoom House. (2023). Nations in Transit. https://freedomhouse.org/sites/default/files/2023-05/NIT_2023_Digital.pdf
  6. 📷 [1]

 

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Nações Unidas: Pacto Digital Global

28 de Setembro de 2023, 08:00

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 1. Linha do Tempo

O Gabinete Executivo do Secretário-Geral está a publicar uma série de Resumos de Políticas (Policy Briefs) [2] temáticos para informar os processos d’ A Nossa Agenda Comum/ Our Common Agenda (NU, 2021), relatório que propõe 12 compromissos para acelerar a realização da Agenda 2030.

Estes Resumos ajudam à preparação da Cimeira do Futuro/ Summit of the Future de setembro de 2024, da qual deverá resultar um Pacto para o Futuro [3]. Até lá, terá lugar a Cimeira dos ODS/ SDG Summit, a 18 e 19 setembro (Nova Iorque, 2023), que assinala metade do tempo decorrido da Agenda 2030 (2015-2030).

2. Abordagem

A 25 de maio de 2023, o Gabinete publicou o seu quinto resumo político sobre o Pacto Digital Global [4].

Liderado por dois co-facilitadores dos Estados-Membros, Suécia e Ruanda, o Pacto Digital Global é um processo intergovernamental que pretende, de acordo com o seu Resumo de Políticas, “’moldar uma visão partilhada sobre a cooperação digital’, fornecendo um quadro global inclusivo” (p. 2).

Baseia-se no Roteiro para a Cooperação Digital [5] do Secretário-Geral e no relatório A Nossa Agenda Comum e deverá fazer parte do Pacto para o Futuro.

Policy Brief 5: A Global Digital Compact adota uma abordagem de baixo para cima (bottom-up approach), de escuta democrática. Resultou de vasta consulta multilateral e em linha, entre junho de 2022 e abril de 2023. Participaram mais de 6000 entidades e de 160 governos [6].

As contribuições foram no âmbito das sete áreas temáticas do Pacto: conectividade, evitar fragmentação da internet, proteção de dados, prestação de contas/ responsabilização (accountability) por conteúdo na internet, regulação de IA e bens comuns digitais.

Será na Cimeira do Futuro que o Pacto Digital Global deverá ser acordado.

 3. Implementação multilateral e com multi-stakeholders

O Resumo de Políticas sobre o Pacto Digital Global mostra profunda preocupação com a rapidez do progresso tecnológico – e.g. a transformação de IA em armas, deepfake, bioengenharia - e com serem aqueles que desenvolvem IA e que mais beneficiam com ela, quem apela a medidas de governação. Para o SGNU a cooperação digital ancorada em direitos humanos, governada por e para humanos é a visão que protege dos riscos digitais. Neste contexto, apresenta a proposta de:

Criar um órgão consultivo de alto nível para a IA no âmbito do Pacto Global para os Dados. Este órgão poderia incluir peritos dos Estados-Membros, entidades competentes das Nações Unidas, representantes da indústria, instituições académicas e grupos da sociedade civil. (p. 17)

Este órgão para a IA estaria incumbido de apresentar recomendações sobre a forma de governação internacional da IA, alinhando as potencialidades da IA com os direitos humanos e o Estado de Direito.

O Pacto Digital Global propõe ainda a criação de um Fórum de Cooperação Digital multilateral “para acompanhar a evolução tecnológica”, que envolveria empresas de tecnologias digitais, para aproveitar o seu potencial e promover a sua aplicação responsável e evidenciar lacunas (p. 20).

Este artigo tem continuação: Nações Unidas: Pacto Digital Global – Resumo de Políticas (cont.)

 Referências

  1. (2023). Global Digital Compact. https://www.un.org/techenvoy/global-digital-compact
  2. (2023a). Common Agenda: Policy Briefs. https://www.un.org/en/common-agenda/policy-briefs
  3. (2023b). The Summit of the Future in 2024. https://www.un.org/en/common-agenda/summit-of-the-future
  4. (2023c). Our Common Agenda. Policy Brief 5: A Global Digital Compact - an Open, Free and Secure Digital Future for All. https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/our-common-agenda-policy-brief-gobal-digi-compact-en.pdf
  5. (2020). United Nations Secretary-General’s Roadmap for Digital Cooperation. https://www.un.org/en/content/digital-cooperation-roadmap/
  6. (2023). Contributions to the online consultations on the Global Digital Compact. https://www.un.org/techenvoy/global-digital-compact/submissions
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Nações Unidas: Pacto Digital Global – Resumo de Políticas (cont.)

12 de Outubro de 2023, 08:00

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Este artigo continua a publicação de 28 de setembro: Nações Unidas: Pacto Digital Global

1. O maior desafio

A Inteligência Artificial (IA) tem potencial para beneficiar a sociedade e fazer avançar os ODS. Devido à sua complexidade – os modelos de base podem ser adaptados a inúmeras aplicações para as quais não foram concebidos – e opacidade, falta de transparência, como são alimentados os seus sistemas, pode ter efeitos perturbadores:

Hoje é mais difícil colocar no mercado um brinquedo fofinho do que um chatbot de IA. Como estas tecnologias digitais são desenvolvidas a nível privado, os governos estão constantemente atrasados na sua regulamentação em prol do interesse publico. (UN, 2023, p. 3).

Gera-se um “enorme fosso de governação”, pois o poder económico e de influência, citamos:

concentra-se num grupo cada vez mais pequeno de elites e empresas: a riqueza combinada dos bilionários de tecnologia, 2,1 triliões de dólares em 2022, é maior do que o PIB bruto anual de mais de metade das economias do Grupo das 20 economias (2023, p. 3).

2. Resumo de Políticas: princípios e objetivos

O Resumo de Políticas propõe “um Pacto Digital Global que estabeleça princípios, objetivos e ações para promover um futuro digital aberto, livre, seguro e centrado no ser humano, ancorado nos direitos humanos universais e que permita a realização dos ODS” (2023, p. 2).

Princípios do Pacto Digital Global

Alguns dos princípios propostos são:

n Acabar com a exclusão digital e promover os ODS. Ainda não estão ligados à internet e não têm qualquer dispositivo cerca de um terço da população mundial, “2,7 mil milhões de pessoas, mais de 1 bilião das quais são crianças e a maioria vive nos países menos desenvolvidos” (p. 6);

n Serviços públicos digitais para pessoas deslocadas à força e que são cerca de 103 milhões (p. 7);

n Tornar o espaço em linha aberto e seguro para todos (p. 9), aplicando os direitos humanos à vida digital e protegendo as pessoas e comunidades mais vulneráveis;

Governar a inteligência artificial para a humanidade (p. 10), tornando-a uma força do bem. Observa-se que os instrumentos aplicados, no passado, pela governação - processos de políticas públicas e legislação - não estão a responder, no presente, às múltiplas inovações e desafios, como a Inteligência Artificial (IA) e, esta ausência, tem efeitos perigosos, inclusive para a democracia.

Objetivos e Ações

n Conectividade digital e reforço das competências (literacia digital), para ligar todos à Internet - o acesso à Internet deve tornar-se um direito humano básico - de formas acessíveis e significativas, criando condições para que possam desenvolver o seu potencial;

n Cooperação digital para que dados, IA e infraestruturas públicas digitais contribuam para o progresso nos ODS;

n Defesa dos direitos humanos – a dignidade humana deve estar no centro de um futuro digital aberto, seguro e não discriminatório para as mulheres e outros grupos vulneráveis, devendo-se prevenir a discriminação resultante de sistemas de IA que perpetuam preconceitos e estereótipos e que possam vir a reforçar as desigualdades existentes, bem como quaisquer ameaças à privacidade e uso de IA para vigilância dos cidadãos;

n Internet inclusiva, aberta, segura e partilhada – salvaguardar a internet como bem público mundial insubstituível, cuja governação deve ser multilateral e responsável;

n Confiança e segurança digitais – tendo por base a cooperação e diálogo - global e multidisciplinar - entre governos, indústria e empresas, especialistas, organizações, sociedade civil e jovens, visa estabelecer critérios e normas para plataformas e utilizadores, de modo a prevenir a desinformação e o discurso de ódio e investir em certificações de cibersegurança e na formação de trabalhadores e organismos de supervisão;

n Proteção de dados e empoderamento – garantindo que os dados sejam governados para benefício de todos;

n Governação ágilbaseada na conceção e utilização de IA e de outras tecnologias emergentes transparente, fiável, segura e sujeita a controlo humano responsável;

n Bens digitais comuns/ globais – a governação digital deve estar alinhada com valores comuns da Carta das Nações Unidas, da Agenda 2030 e do quadro de direitos humanos internacional e potenciar a ligação entre Estados, regiões e sectores.

Fonte:

UN. (2023c). Our Common Agenda. Policy Brief 5: A Global Digital Compact - an Open, Free and Secure Digital Future for All. https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/our-common-agenda-policy-brief-gobal-digi-compact-en.pdf

 

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UNESCO – GEM: Tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem? (Cont.)

27 de Setembro de 2023, 08:00

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Conforme o artigo anterior, o resumo em português do Relatório de Monitoramento Global da Educação (Global Education Monitoring – GEM) 2023 da UNESCO [2]  destaca que “as competências digitais se tornaram parte de um pacote de competências básicas” - como ler, escrever e contar - e podem melhorar a qualidade do ensino e aprendizagem “Em determinados contextos, e para alguns tipos de aprendizagem” (p. 35).

No entanto e, perante a escassez de estudos e evidências sólidas e imparciais sobre os efeitos do uso de tecnologias nas aprendizagens, adverte os decisores para determinados riscos, que exemplificamos.

TIC e desempenho escolar

As melhores evidências disponíveis mostram que “a tecnologia pode ter um impacto negativo se for inadequada ou excessiva”.

Por exemplo, os resultados do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA) “sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e o desempenho académico. Descobriu-se que a simples proximidade de um telemóvel era capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem em 14 países” (Resumo GEM 2023, p. 8).

Referindo os resultados do Estudo Internacional sobre Literacia Informática e da Informação (International Computer and Information Literacy Study - ICILS) 2018, o Relatório refere que, para os professores, a tecnologia, para além do efeito distrativo (em sala de aula e em casa), “prejudica a gestão da sala de aula” e “pode colocar os estudantes com menor desempenho e os mais novos em risco cada vez maior de abandono escolar” (Resumo GEM 2023, p. 15).

Alguns dos aspetos mais “negativos e prejudiciais do uso de tecnologia digital na educação e na sociedade incluem o risco de distração e a falta de interação humana”, bem como a invasão na privacidade, a disseminação da polarização e do discurso de ódio e da desinformação na internet, que pode pôr em risco a democracia e os direitos humanos em que se baseiam a nossa civilização (Resumo GEM 2023, p. 10).

TIC e desigualdade

A maior parte do conteúdo digital disponível é monolingue – idioma inglês – e criado por grupos historicamente privilegiados, reforçando a desigualdade no acesso e na criação de conteúdos e perpetuando preconceitos e estereótipos:

“Quase 90% do conteúdo disponível em repositórios de educação superior com coleções de recursos de educação aberta foi criado na Europa e na América do Norte; 92% do conteúdo da biblioteca global OER Commons está em inglês. Os cursos abertos online e massivos (Massive Open Online Courses – MOOCs) beneficiam principalmente estudantes instruídos e de países mais ricos” (Resumo GEM 2023, p. 8).

O Relatório levanta ainda a questão sobre se a tecnologia “ameaça a democracia ao permitir que alguns poucos selecionados controlem as informações?” (Resumo GEM 2023, p. 35) e admite a possibilidade de poder piorar as desigualdades.

TIC e segurança, bem-estar e sustentabilidade

GEM 2023 alerta para os “impactos adversos na saúde física e mental” de uma maior exposição a ecrãs que o reforço na educação digital pode trazer (Resumo GEM 2023, p. 11). Evidencia que “89% dos 163 produtos de tecnologia recomendados durante a pandemia tinham a capacidade de recolher dados de crianças. Ademais, 39 dos 42 governos que ofereceram educação online durante a pandemia acomodavam usos que colocavam em risco ou infringiam os direitos das crianças” (Resumo GEM 2023, p. 7). Para garantir o bem-estar das crianças, agora “Quase um quarto dos países proibiram os smartphones nas escolas” (Resumo GEM 2023, p. 7).

Também ao nível da saúde do planeta, a rápida substituição de equipamentos, o consumo energético a que o seu uso contínuo obriga e a reduzida reciclagem de lixo eletrónico - altamente poluente (alumínio, arsénio, berílio, chumbo, cobre, platina, plástico) - tem efeitos substanciais no aumento das emissões de CO2 e exemplifica: na Europa, aumentar por um ano o tempo de vida útil dos computadores é o equivalente a tirar de circulação 1 milhão de carros (Resumo GEM 2023, p. 7).

Investimento em TIC pode atrasar o alcance do ODS 4 em alguns países

Em países – ou regiões - de renda baixa a média-baixa, o dispêndio de recursos em tecnologia, muitas vezes onerosa, “em vez de em sala de aula, professores e livros didáticos” a que as crianças e jovens não têm acesso pode, depois da pandemia Covid-19, colocar “o mundo numa posição ainda mais distante de alcançar o objetivo mundial de educação” (Resumo GEM 2023, p. 9).

Quando ponderamos a introdução de tecnologia digital na educação, é fundamental garantir:

  • Todos os direitos a todas as crianças, o superior interesse da criança (“estrutura baseada em direitos”);

  • Resultados/ Outputs de aprendizagem (“não [nos focarmos] nos insumos digitais”);

  • Contacto com o professor - “a tecnologia digital não deve substituir, e sim complementar a interação presencial com os professores” (Resumo GEM 2023, p. 23).

Para garantir que a tecnologia contribui para uma educação justa e sustentável, apresenta recomendações aos governos, por exemplo:

  • “Estabelecer organismos para avaliar a tecnologia educacional”, de forma “independente e imparcial” e com critérios objetivos;

  • “Realizar projetos-piloto” com estudantes marginalizados;

  • “Garantir a transparência dos gastos públicos”, monitorizando todos os custos, de instalação, de manutenção [e ambientais];

  • “Estabelecer um currículo e uma estrutura de avaliação de competências digitais que sejam amplos, não vinculados a uma tecnologia específica”;

  • “Adotar e implementar legislação, normas e boas práticas” protetoras dos direitos humanos, do bem-estar e da segurança;

  • Evitar “soluções que não sejam sustentáveis quanto a requisitos de energia e materiais” (Resumo GEM 2023, pp. 24, 25);

  • Incentivar a educação digital universal e gratuita e a criação de “Bens públicos digitais”, que incluem REA - Recursos Educacionais Abertos (Resumo GEM 2023, p. 24).

Pode gostar de ler GEM 2020 sobre Inclusão e Educação.

Referências

  1. Fonte da imagem: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). GEM Report: Technology in education: A tool on whose terms [vídeo]. UNESCO. https://www.youtube.com/watch?v=1SOySp8QJtk
  1. Resumo do Relatório em Português: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? (p. 3). UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por
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UNESCO – GEM: Tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?

20 de Setembro de 2023, 08:00

2023-09-20.pngA Educação 2030: Declaração de Incheon e Quadro de Ação determina que o Relatório de Monitorização Global da Educação (Global Education Monitoring – GEM) seja “o mecanismo para orientar a monitorização e a elaboração de relatórios sobre o ODS 4” [2], para informar sobre as estratégias nacionais e internacionais e ajudar na responsabilização pelos compromissos dos Estados Membros no setor da educação e no acompanhamento e revisão geral dos ODS.

O Relatório GEM 2023 é elaborado quando se atingiu metade do tempo da Agenda 2030 (2015 – 2030), por uma equipa independente da UNESCO e, na sequência de um processo exaustivo de consulta dos países. De periocidade anual e baseado em evidências/ factos, centra-se este ano na resposta à questão, “A tecnologia na educação: uma ferramenta ao serviço de quem?”.

O resumo do Relatório em português [2], principal fonte deste artigo, segue a estrutura do Relatório integral e divide-se em duas partes: a primeira sobre Tecnologia em Educação e a segunda sobre Monitorização da Educação, tendo em conta os sete indicadores do ODS 4 – “Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Neste artigo, focamo-nos na primeira parte, a mais extensa do GEM 2023.

Potencialidades das tecnologias digitais

Caminhamos para o acesso universal à internet: “Em todo o mundo, a percentagem de utilizadores de internet aumentou de 16% em 2005 para 66% em 2022” (Resumo GEM 2023, p. 8) e isto é importante porque a tecnologia acessível pode gerar inúmeras oportunidades:

  • Cria acessibilidade e personalização a estudantes com deficiência, que vivem em regiões de difícil acesso (ensino à distância) ou que não são nativos, produzindo recursos multimodais e plurilingues;

  • Facilita a distribuição, aumentando exponencialmente o acesso a recursos/ conteúdos de ensino e aprendizagem digitais/ digitalizados;

  • Cria ambientes de aprendizagem – formal e informal - flexíveis, criativos, colaborativos, com partilha de recursos e experiências;

  • Reduz os custos dos recursos educativos e da formação de professores;

  • Torna a aprendizagem significativa, aumentando a motivação – “As crianças podem aprender sem elas. No entanto, é improvável que a educação seja igualmente relevante” (Resumo GEM 2023, p. 8). Permite o uso de ferramentas que, integradas na aprendizagem, potenciam-na - exemplo, “43 estudos publicados de 2008 a 2019 apontou que jogos digitais traziam melhorias em resultados cognitivos e comportamentais em matemática” (Resumo GEMN 2023, p. 15);

  • Facilita a avaliação do que foi aprendido e a gestão de dados, permitindo poupar tempo - “Melhorias em eficiência talvez sejam a forma mais promissora pela qual a tecnologia digital possa fazer diferença na educação” (Resumo GEM 2023, p. 10).

Principal problema: Escassez de evidências sólidas e imparciais que apoiem a decisão

Não obstante o seu potencial, a experiência recente da pandemia Covid-19 evidenciou que “Muitos não conseguem aceder a ela, não conseguem usá-la para ensinar, pode não se adaptar à maneira como aprendemos” e que “nada supera a interação humana. Aprendemos melhor uns com os outros” e presencialmente. As tecnologias digitais devem ser “utilizadas para apoiar uma educação baseada na interação humana em vez de a substituírem” [3].

O Relatório apela aos decisores em educação para questionarem: “Em que termos usamos a tecnologia na educação? É apropriada para o que precisamos, deixa alguém para trás, vale a pena o investimento?” [3]. Quais são os riscos e oportunidades para a nossa humanidade/ direitos, privacidade/ segurança e para o planeta/ ambiente?

Adota uma abordagem crítica sobre Tecnologia e Educação:

Nem toda mudança constitui progresso. O fato de que algo pode ser feito não significa que deva ser feito. A mudança precisa de acontecer de acordo com as necessidades dos estudantes para evitar a repetição de um cenário como o observado durante a pandemia da COVID-19, quando uma explosão de ensino à distância deixou centenas de milhões de pessoas para trás.

Não se pode esperar que a tecnologia criada para outros usos seja necessariamente adequada em todos os ambientes educacionais para todos os estudantes. Tampouco se pode esperar que as regulamentações estabelecidas fora do setor educacional cubram necessariamente todas as necessidades da educação” (Resumo GEM 2023, p. 23).

Nas Mensagens Principais com que a UNESCO abre o Relatório, destaca que “Evidências sólidas e imparciais do impacto da tecnologia educacional são escassas”. A maior parte das evidências são produzidas pelas empresas que querem vender as tecnologias. Por exemplo, a Pearson, empresa com fins educativos e a maior editora de livros do mundo com uma estratégia muito focada no digital, financiou os próprios estudos, contestando “uma análise independente que demonstrava que os seus produtos não tinham impacto algum” na melhoria de competências dos alunos (Resumo GEM 2023, p. 15).

A maior parte das discussões sobre tecnologia educativa foca-se mais na tecnologia do que na educação, quando devia ser o inverso: A tecnologia será capaz de ajudar a resolver os desafios mais importantes da educação?” Quais são os principais desafios da educação? (Resumo GEM 2023, p. 10).

  1. Igualdade e inclusão para que cada um possa realizar o seu potencial através da educação – “como é que a educação se poderia tornar a grande equalizadora?

  2. Qualidade dos conteúdos e da oferta da educação para que a Agenda 2030 possa ser alcançada – “como é que a educação pode ajudar os estudantes, não somente a adquirir conhecimento, mas também a serem agentes de mudança” na sociedade?

  3. Eficiência – a educação será capaz de equilibrar a aprendizagem individualizada com as necessidades de socialização - proporcionando convivência e interação entre pessoas diferentes na vida real – e da sociedade? Segundo o Relatório, a qualidade da educação tem de incluir resultados sociais com ligação à vida das pessoas: menor desigualdade, equilíbrio ambiental, democracia, bem-estar.

A falta de dados sobre os efeitos das tecnologias digitais nas aprendizagens resulta da rapidez com que as mudanças no setor se processam – “não há tempo de fazer avaliações para fundamentar decisões sobre legislação, políticas e regulamentação” – e da pressão dos agentes comerciais, por exemplo editoras e livreiros, para que os sistemas educativos se adaptem a elas. No entanto, é necessário ceder ao fascínio comercial pela novidade e ao FOMO (fear of missing out/ medo de ficar de fora).

De acordo com o Relatório, o uso de tecnologia teve efeitos moderados a baixos em algumas aprendizagens – por exemplo, “a avaliação de 23 aplicativos de matemática usados no nível primário demonstrou que eles se concentravam em memorização e prática, em vez de competências avançadas” (Resumo GEM 2023, p. 6).

São vários os exemplos de países em que se verifica que as aprendizagens não melhoram com o ensino exclusivamente remoto ou com a entrega de equipamentos com conteúdos didáticos, sem integração em formação e apoio a professores e alunos.

Na prática, o uso de TIC em sala de aula “não é significativo, inclusive nos países mais ricos do mundo” – por exemplo, segundo o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Programme for International Student Assessment – PISA) 2018, em média, apenas “10% dos estudantes de 15 anos, em mais de 50 sistemas educacionais participantes usaram aparelhos digitais por pelo menos uma hora por semana para aulas de matemática” (Resumo GEM 2023, p. 14).

Destaca que “a tecnologia não precisa ser avançada para ser efetiva” (p. 6). Em alguns contextos, gravações de aula e sua transmissão através de rádio, televisão e telemóvel básicos, associadas a textos impressos, foi eficaz.

Relativamente à introdução de Inteligência Artificial na educação, já se usam sistemas inteligentes de ensino que monitorizam progressos, dificuldades/ erros, dão retorno, apoiam a realização de trabalhos, identificam plágio, automatizam tarefas repetitivas, aumentando na escola a pressão para desenvolver competências de nível superior. Relativamente ao uso de IA generativa, ao permitir “simplificar o processo de obter respostas”, pode “exercer um impacto negativo na motivação do estudante de conduzir pesquisas independentes e achar soluções” (Resumo GEM 2023, p. 12).

O Relatório defende que há evidências de que algumas tecnologias digitais, em alguns contextos, melhoram as aprendizagens, mas é preciso que sejam feitos e divulgados amplamente mais e melhores estudos imparciais. 

Pergunta “o que significa ser uma pessoa bem-educada num mundo moldado pela inteligência artificial” e afirma que “a resposta ideal provavelmente não será maior especialização em domínios relacionados à tecnologia; em vez disso, é um currículo equilibrado” com “oferta de artes e humanidades para reforçar a responsabilidade, a empatia, a moral, a criatividade e a colaboração dos estudantes” (Resumo GEM 2023, p. 12).

Este artigo terá continuação no dia 27/09/2023.

💡Pode gostar de ler GEM 2020 sobre Inclusão e Educação.

 Referências

  1. Fonte da imagem: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? UNESCO. https://www.unesco.org/gem-report/en/technology
  1. Resumo do Relatório em Português: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). Global Education Monitoring Report - Technology in Education: a Tool on Whose Terms? (p. 3). UNESCO. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por
  1. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2023). GEM Report: Technology in education: A tool on whose terms [vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=1SOySp8QJtk
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A Internet em 2023: 8 questões-chave para bibliotecas

19 de Maio de 2023, 08:00

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No contexto cada vez mais digital em que as bibliotecas operam, a IFLA tem focado a sua atenção no mundo digital e na internet, confiante nos aportes positivos da tecnologia para alcançar os objetivos mais amplos das bibliotecas.

O workshop da IFLA, promovido em 2022 para bibliotecários de toda a região da Ásia-Oceania, revelou que, desde o início da pandemia, há maior à-vontade desses profissionais em trabalhar com a Internet e ferramentas digitais, aspetos que constavam da lista de prioridades daquela instituição há cinco anos. 

A internet faz parte da nossa prática – da nossa vida individual e coletiva em geral –, por isso há um interesse generalizado em garantir o seu bom funcionamento. Mas quais são os problemas esperados em 2023 para as bibliotecas? 

Seguidamente, são apresentadas algumas ideias, baseadas principalmente no trabalho da Diplo Foundation [1], cuja leitura se recomenda.

1. Tensões contínuas entre privacidade e combate a conteúdos nocivos

Os direitos humanos nem sempre apontam na mesma direção, por isso há que equilibrá-los, ponto reconhecido na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por exemplo, considerando as várias jurisdições, é preciso encontrar formas de proteger contra danos e discriminação (como, por exemplo, o discurso de ódio e material de abuso infantil), ao mesmo tempo que se defende os direitos de liberdade de expressão e privacidade. 

Há muito que as bibliotecas trabalham com o propósito de encontrar esse equilíbrio e hoje, mais do que nunca, devem continuar a trabalhar nesse sentido, indicando os princípios e valores que podem suportar qualquer solução eventualmente encontrada.

2. A responsabilidade do intermediário sob microscópio 

Os principais intermediários, nomeadamente a Google e o Facebook, tiveram um papel importante na criação da internet tal como hoje a conhecemos e, ao fazê-lo, tornaram-se extremamente ricos, mas também se tornaram alvos comuns, pois é mais simples e mais lucrativo processar grandes empresas do que milhões de indivíduos.

Há muitas questões que se levantam no que concerne às escolhas dos intermediários relativamente aos conteúdos a que dão acesso. Tem havido algum esforço, em termos de regulamentação, para levar a mudanças no âmbito dos direitos dos utilizadores sobre os seus dados e melhor interoperabilidade, questões em foco na conferência da Unesco  “Internet for Trust”,  realizada em Paris, em fevereiro de 2023, de que resultaram as diretrizes publicadas no documento Internet for Trust - Towards Guidelines for Regulating Digital Platforms for Information as a Public Good, com o objetivo de salvaguardar a liberdade de expressão, o acesso à informação e a outros direitos humanos no contexto do desenvolvimento e implementação de processos regulatórios de plataformas digitais. 

As bibliotecas, que recorrem fortemente a essas plataformas, tanto para o trabalho realizado diariamente quanto para a comunicação, devem, por isso, acompanhar os desenvolvimentos nesse campo, de modo a garantir o seu funcionamento em consonância com os direitos e as necessidades dos seus utilizadores.

3. A necessidade de proteger as bibliotecas da regulamentação no estilo GAFA[2]:

Um risco considerável é que a legislação que vier a ser publicada não considere o trabalho das bibliotecas e as suas necessidades. Quando os governos criam regulamentação para as principais plataformas, é preciso acautelar as práticas das bibliotecas, uma vez que a regulamentação pode aplicar-se, também, ao acesso aberto e aos repositórios de educação abertos administrados ou usados pelas bibliotecas.

Portanto, na busca do equilíbrio entre privacidade e conteúdo nocivo, corre-se o risco de a regulamentação criada limitar a margem de liberdade dos bibliotecários na constituição e desenvolvimento de coleções e no acesso a conteúdos.

Desta feita, há que estar atento à legislação e intervir, participar no debate, a fim de evitar decisões que prejudiquem a ação dos bibliotecários no cumprimento da sua missão.

 4. A evolução da governança da internet 

Em 2023, serão desenvolvidos trabalhos para preparar os momentos-chave em 2024 e 2025 no que se refere à arquitetura global da governança da internet. O Pacto Digital Global da ONU (a ser acordado no próximo ano) estabelecerá princípios orientadores e fornecerá uma referência para os diferentes governos, em questões como conetividade, manutenção de uma internet global, gestão de dados, direitos e apoio aos utilizadores.

Neste contexto, é fundamental garantir que os valores das bibliotecas são ouvidos e que as próprias bibliotecas sejam vistas como principais interessados e parte da solução. 

5. Criptomoedas, Web 3.0 e o Metaverso

Em 2022, assistiu-se a grandes anúncios e ao lançamento de novos produtos que iriam ser fatores disruptivos nas nossas vidas. 

O boom das criptomoedas – e a filosofia subjacente de uma web descentralizada (web 3.0) – sofreu um forte golpe, com falhas sucessivas. No entanto, para as bibliotecas há uma questão interessante- ao mesmo tempo que se dá uma descentralização (alinhada com a lógica do empoderamento individual), pode levar ao libertarianismo[3] extremado de muitos defensores da Web 3.0, que parece hostil à ideia de qualquer instituição ser confiável (incluindo as bibliotecas).

No caso do Metaverso, apesar de este não ter tido a aceitação inicialmente esperada, dificilmente o conceito irá desaparecer, pelo que em 2023 se esperam medidas que irão torná-lo uma parte generalizada das nossas vidas.

6. Novas tecnologias de conectividade

A tecnologia de satélite de órbita terrestre baixa pode criar condições e oportunidades para colocar mais bibliotecas online, em áreas rurais e em zonas com pouco acesso geral à internet, permitindo que se tornem centros locais. Para tal, não basta colocar as bibliotecas online, é preciso investir em equipas de trabalho, com profissionais com formação adequada, conteúdos de qualidade e hardware atualizado e resiliente.

7. A IA e os direitos de quarta geração

Um conceito interessante que começa a ser discutido é o dos direitos de quarta geração – o direito de as pessoas serem indivíduos independentes num mundo onde as escolhas são cada vez mais moldadas pela inteligência artificial. Dado que a IA se baseia em tendências passadas, corre-se o risco de condicionar o presente e limitar a liberdade de tomar decisões diferentes no futuro.

Isto afeta os bibliotecários, que usam serviços que limitam a sua capacidade de decidir como fornecer serviços, como por exemplo plataformas de e-books com curadoria de um algoritmo executado centralmente ou onde os materiais desaparecem sem aviso prévio, condicionando a sua liberdade de atuação.

Numa perspetiva mais positiva, a noção de direitos de quarta geração é uma oportunidade para as bibliotecas afirmarem o seu contributo para a cidadania digital (num sentido mais cívico e político) e para a identidade digital. Ao ajudarem as pessoas a serem utilizadores da Internet, mas utilizadores informados e capacitados, as bibliotecas muito contribuem para tornar esses direitos uma realidade.

8. Não esquecer a inclusão digital!

Os diferentes países devem ter disposições em vigor que promovam a inclusão digital. É fundamental garantir que todos possam beneficiar do potencial da internet e as bibliotecas podem dar um importante contributo.  É preciso manter as pessoas seguras, garantir que as plataformas funcionem para todos, conectividade, envolvimento governamental, medidas de pró-equidade… 

Estas são somente algumas das questões, destacadas pela IFLA, a que os bibliotecários devem ficar atentos para planificar a sua ação com eficácia, respondendo aos desafios do presente. As bibliotecas devem acompanhar atentamente os novos desenvolvimentos no que diz respeito às plataformas e à inteligência artificial generativa e criar oportunidades para garantir que aqueles que lideram o desenvolvimento de estratégias de inclusão digital percebam o valor do seu contributo e as envolvam.

Notas:

[1] Diplo Foundation-  organização sem fins lucrativos e não governamental que pretende  fortalecer a participação na diplomaciarelações internacionais e áreas de política, como Governança da Internet e mudanças climáticas.

[2] Regulamentação dos GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon)

[3] Com raízes no liberalismo clássico, o libertarianismo é a posição que defende a liberdade como valor fundamental e o "direito a liberdade" como princípio. https://www.infoescola.com/filosofia/libertarianismo/

 

Referências bibliográficas

1. IFLA (2023). The Internet in 2023: Key Issues for Libraries. https://www.ifla.org/news/the-internet-in-2023-key-issues-for-libraries/

2. UNESCO (2023).Internet for Trust - Towards Guidelines for Regulating Digital Platforms for Information as a Public Good, Paris,  2023 . 

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