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Enguia exótica com mais de um metro filmada no mar de Porto Covo

Por Inês Sequeira — 24 de Outubro de 2023, 17:11

Conhecida como enguia-fantasma ou moreia-de-brummer, esta espécie do indo-pacífico foi filmada por Joaquim Parrinha, investigador do MARE na Universidade de Coimbra, durante um mergulho nocturno.

Também chamada de enguia-de-fita-branca, e com o nome científico Pseudechidna brummeri, esta espécie de enguia nunca tinha sido avistada no Atlântico até agora, informa uma nota de imprensa divulgada pelo MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

Este predador nocturno, conhecido pela forma como caça pequenos peixes e crustáceos, é bastante comum em locais como o Pacífico Ocidental, o Oceano Índico e o Oceano Índico Ocidental, “todos muito distantes do local onde agora foi encontrada”, informa também o MARE. “Quando foi avistada, encontrava-se a uma profundidade de um a dois metros, junto ao porto de pesca de Porto Covo.”

Foi Joaquim Parrinha, investigador do MARE na Universidade de Coimbra, que se deparou com esta enguia com mais de um metro de comprimento quando filmava a biodiversidade marinha ao largo de Porto Covo. Enviou as filmagens à sua coordenadora, Sónia Seixas, que não teve dúvidas do que se tratava. “Esta espécie tem a particularidade de se enrolar de um modo muito específico parecendo uma ‘tira de papel’. O exemplar observado estava bem ativo e aparentava uma boa condição física”.

A descoberta foi descrita e confirmada num artigo publicado agora pela revista científica Marine Pollution Bulletin, depois de ser revista por cientistas independentes. O facto de terem avistado esta enguia tão longe do seu local de origem intrigou os dois investigadores, que atribuem este aparecimento a duas causas possíveis.

A hipótese mais plausível, para ambos, é que a enguia tenha sido acidentalmente transportada na água de balastro de uma embarcação que se dirigia ao porto de Sines, próximo de Porto Covo. A água de balastro é água do mar utilizada pelos navios para os estabilizar, inserida dentro das embarcações numa zona, durante o seu percurso, e mais tarde libertada noutras áreas e oceanos.

Outra possibilidade é que o animal observado tenha sido proveniente de um aquário e libertado no mar, uma vez que a enguia-fantasma “se vende na Europa como espécie ornamental para aquários de água salgada”, explica Sónia Seixas.

Por saber está se esta enguia é um único indivíduo, isolado, ou se já há mais do que um peixe desta espécie ao largo da costa alentejana. Caso se confirme a existência de mais do que uma enguia desta espécie, “os investigadores do MARE ponderam a necessidade de lançar uma campanha de monitorização”, adianta este centro de investigação.

A equipa está também “a estudar medidas para prevenir o aparecimento de outros exemplares”, pois esta enguia, “caso tenha potencial para se tornar uma espécie invasora, e dado o seu perfil predador, terá certamente impacto no ecossistema da região.” 

“Sendo proveniente do indo-pacífico, esta espécie traz-nos grandes apreensões pois sabemos como algumas espécies que foram introduzidas são nefastas para o ambiente”, afirma também a investigadora do MARE, citada na nota de imprensa. “No entanto, e sendo a espécie activa de noite, não nos parece que seja um problema para os banhistas nas praias.”


Saiba mais.

O vídeo com a enguia pode ser visto aqui.

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Na ribeira do Vascão, entre o Alentejo e o Algarve, estes pequenos peixes ajudam-se uns aos outros

Por Inês Sequeira — 24 de Outubro de 2023, 15:21

Um grupo de investigadores da Universidade de Évora descobriu um comportamento de limpeza entre bordalos, agora descrito pela primeira vez para a Península Ibérica e para peixes de água doce, na natureza.

Os bordalos (Squalius alburnoides) são pequenos peixes que em todo o mundo se observam apenas em Portugal e Espanha, onde habitam algumas das principais bacias hidrográficas, incluindo a do Guadiana. Foi num afluente deste rio, a ribeira do Vascão, que cientistas ligados à Universidade de Évora filmaram um comportamento de limpeza entre peixes desta espécie ameaçada, que poderá ter importância para a sobrevivência futura dos bordalos.

As conclusões a que chegou este grupo de seis investigadores foram publicadas esta semana num artigo da revista científica Fish Biology, no qual explicam que o bordalo é uma espécie Vulnerável à extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza. Trata-se também de um peixe com curiosas formas de reprodução, assexuada.

Bordalo. Foto: Universidade de Évora

A descoberta deste comportamento de limpeza nos bordalos “aconteceu por acaso”, uma vez que o objectivo do trabalho era na verdade “observar comportamentos de interação entre espécies nativas e invasoras de peixes”, contou à Wilder um dos membros da equipa e co-autor do artigo científico agora publicado, Filipe Banha.

Durante a estação seca, de Junho a Setembro, o calor e a ausência de chuva fazem com que a água da ribeira do Vascão, que traça uma parte da fronteira entre o Alentejo e o Algarve, fique confinada a pequenas áreas. Conhecidas como pegos, nelas se refugiam os peixes e outros animais aquáticos. Foi no fundo desses pegos, em Julho de 2021, que se colocaram dois protótipos desenhados pelos investigadores a partir de equipamentos adaptados, para se fazerem filmagens autónomas durante uma semana. As máquinas só funcionavam quando detectavam movimentos debaixo de água.

Ao analisarem as gravações – quase 40 horas de filme num dos pegos e mais de 70 horas no outro – os investigadores aperceberam-se de bordalos que pediam a outros peixes da mesma espécie que os limpassem, “adoptando uma posição imóvel conhecida como ‘pose'”. Esta produzia uma resposta imediata de apoximação e limpeza da parte de outros bordalos.

‘Frame’ de um dos vídeos que filmaram o comportamento dos bordalos, onde se pode ver um peixe em posição de “pose”

“Este estudo expande a muito curta lista de peixes de água doce com hábitos colaborativos de limpeza dentro da mesma espécie”, sublinha a equipa, numa nota de imprensa da Universidade de Évora. Esse comportamento de colaboração é aliás “muito útil em última instância para a sobrevivência” dos bordalos, sublinha Filipe Banha, uma vez que ajuda a combater as doenças e parasitas e reduz também o stress e a competitividade entre estes peixes.

Futuro desafiante

A questão é que os bordalos enfrentam um futuro desafiante, devido às alterações climáticas e às secas cada vez mais prolongadas, combinadas com a poluição e o aumento de espécies invasoras.

Já este ano, o mesmo comportamento de limpeza nesta espécie foi novamente observado pela equipa, durante filmagens num outro local da ribeira do Vascão. “Chegámos a observar vários indivíduos a solicitarem a limpeza simultaneamente e outros indivíduos a limparem os primeiros, tudo isto num curto espaço de segundos”, descreve o investigador, também ligado ao MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

Enquanto que estas ajudas na limpeza, dentro da mesma espécie, são conhecidas em peixes marinhos, em especial nos recifes de coral, e também noutros grupos de animais como os primatas, no que respeita a peixes de água doce este “é o primeiro trabalho a descrever este tipo de comportamento tendo como base observações feitas na natureza”, adianta também Filipe Banha. “Existe um ou outro trabalho com observações, mas feitas em cativeiros e para espécies não nativas do nosso país.”

Da equipa ligada a este estudo, além do MARE, fizeram também parte cientistas do CIBIO-Biopolis e do INESC-TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência.

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Associação Zero alerta que este peixe único no mundo, o escalo-do-Mira, pode já estar extinto

Por Inês Sequeira — 20 de Outubro de 2023, 15:27

Espécie encontra-se apenas na bacia hidrográfica do rio Mira, tratando-se por isso de um endemismo lusitano.

Houve um momento de “enorme consternação” quando elementos da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável visitaram a ribeira do Torgal, um afluente do Mira que se situa no concelho de Odemira, e perceberam que a bacia hidrográfica deste rio com cerca de 130 quilómetros “secou quase na sua totalidade”.

É que essa situação “faz temer o pior em relação à sobrevivência do escalo-do-Mira (Squalius torgalensis)”, até porque “o único local que não secou em toda a bacia hidrográfica parece ter sido o pego das Pias”, conta a ONG portuguesa, num comunicado divulgado esta sexta-feira.

É assim no pego das Pias, que pertence à ribeira do Torgal, que reside “a última esperança de que alguns exemplares da espécie possam ter sobrevivido”. No entanto, adverte a associação, nesse pego abundam “espécies exóticas invasoras, como o lagostim-vermelho-da-Louisiana (Procambarus clarkii), a perca-sol (Lepomis gibbosus) ou o temível predador achigã (Micropterus salmoides), que tornam improvável qualquer cenário que não a extinção da espécie.”

De acordo com a associação portuguesa de defesa do ambiente, o escalo-do-Mira terá deixado de ser, “inexplicavelmente”, alvo de um programa de reprodução em cativeiro que tinha como objectivo evitar que sucedessem situações como esta.

“A Zero alertou o senhor ministro do Ambiente para esta tragédia ambiental e solicitou que sejam accionados meios urgentes para o terreno com o objetivo de avaliar se ainda sobreviveram exemplares do escalo-do-Mira”, relata a associação liderada por Francisco Ferreira, frisando que esta espécie “só existe em Portugal” e por isso “recai sobre o país a responsabilidade total quanto à sua conservação”.

A confirmar-se a extinção do escalo-do-Mira “não só estamos perante uma incompreensível inacção das autoridades, em particular o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas”, como por outro lado se trata de algo “sistémico e representativo de algo mais”, acusa.

A mesma ONG considera que está em curso uma política pública que parece “presa por arames”, “onde reina a desatenção completa em relação à conservação dos valores naturais e onde a contínua falta de definição de prioridades só poderá ter como resultado o futuro agravamento do estado de conservação das espécies e dos seus habitats”.

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Pode a grande migração de atuns voltar a Portugal?

Por Daniel Veríssimo — 22 de Setembro de 2023, 15:42

Daniel Veríssimo, um economista fascinado pela natureza, fala-nos deste peixe majestoso e grande viajante do Atlântico, que necessita de espaço e tempo para aumentar os seus números e regressar a uma situação mais segura.

Atuns, peixes mais conhecidos pelos enlatados, cozinhados e sushi do que pelo seu papel no ecossistema marinho. Existem nos oceanos do mundo oito espécies de atuns, do Oceano Índico ao Pacífico, passando pelo Atlântico, estando apenas ausentes das águas frias dos Polos.

Nos mares e costas de Portugal existem cinco espécies de atuns, mas existe um atum, o atum-rabilho (Thunnus thynnus), o rei dos atuns, com uma presença sazonal, que realiza uma impressionante migração entre o Oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo, a este, e entre o Atlântico e o mar das Caraíbas, a oeste. O atum-rabilho é uma maravilha da evolução, um peixe perto do topo da cadeia alimentar, moldado em forma de torpedo, que pode pesar várias centenas de quilos e medir até três metros.

Os atuns-rabilho fazem parte das lendas dos Gregos, das crónicas dos Romanos e dos contos árabes. No Algarve, diz o conhecimento popular, era possível ver passar a migração de atuns desde as praias.
Antes, para pescar os atuns, eram construídas grandes estruturas com redes e boias chamadas almadravas, grandes armações que eram usadas para pescar esses peixes desde a costa.

Com o tempo, o atum-rabilho sofreu um declínio estável e continuado, que começou há alguns milhares de anos com as primeiras embarcações de pesca e terminou com o colapso das populações (stocks) nos anos 60 do século XX em águas europeias.

A pesca local e costeira, apesar de ter algum impacto nas populações, não era suficiente para as afetar de forma irrecuperável ou para extinguir espécies, mas com o desenvolvimento das fábricas de conservas e a crescente industrialização, o impacto passou de local e costeiro para incluir também o mar alto e ser feito a uma escala global. A consequência foi um colapso das populações de atum-rabilho e de outras espécies do mesmo grupo.

Hoje, o atum-rabilho regressou à costa portuguesa, ao Reino Unido, ao Báltico e à costa sul de França, mas as populações ainda não estão totalmente recuperadas. Este peixe continua extinto no Mar Negro e o tamanho das populações do passado continua esquecido, e por isso é difícil imaginar o potencial tamanho das populações futuras. Um claro caso da síndrome de amnésia ambiental, em que o estado deteriorado do presente é tido pelas gerações atuais como normal, por não conhecerem outra realidade, quando na verdade é um estado degradado, uma sombra do tamanho anterior.

Para se recuperarem a diversidade e a abundância da vida marinha, a melhoria das práticas da pesca é uma ferramenta-chave: pescar em menos quantidade (a quantidade de peixes que se tira dos oceanos é demasiada), em menos áreas (é importante ter zonas sem pesca para preservar stocks) e com menos impacto (parar de usar artes de pesca de arrasto, prevenir o abandono de redes e minimizar as capturas acidentais). Isso não significa uma redução de rendimentos ou de postos de trabalho, mas sim uma atividade económica estável, viável e sustentável, que cria riqueza de uma maneira segura ao longo do tempo.

Portugal é um dos maiores consumidores de peixe per capita do mundo, sendo a principal razão a riqueza histórica de vida nas águas marinhas portuguesas. O país está localizado no único lugar da Europa que tem um afloramento costeiro – áreas bastante produtivas onde as águas frias ricas em nutrientes vem à superfície, o que origina uma explosão de vida.

É preciso dar espaço e tempo à natureza. Espaço através de áreas protegidas formais, criadas e geridas pela Estado e/ou informais, mantidas e organizadas por populações locais e pescadores, para
assegurar rotas seguras para o atum-rabilho migrar. Tempo, por meio de uns bons anos para a migração de atuns recuperar todo o seu esplendor e grandeza.

As zonas costeiras de Portugal já foram lugares mágicos, a fervilhar de vida, com esturjões a subir os rios, colónias de focas-monge nas praias, tartarugas-marinhas a nidificar na areia, com habitats ricos
em recifes de ostras, pradarias marinhas e florestas de laminárias (kelp), com águias-rabalva nos céus e até com populações residentes de baleias e golfinhos. As zonas costeiras de Portugal já foram
lugares mágicos e podem voltar a ser.

Descobrir o maravilhoso mundo azul, entre a areia da praia e o fundo do oceano, através de um safari de atuns num barco à vela, compreendendo todas as ligações e interligações na teia dos ecossistemas marinhos. Ser deslumbrado pela vida marinha, ver atuns em migração, cardumes de sardinhas e grandes grupos de golfinhos. E no fim, com o sol a refletir nas ondas do mar, ver um atum saltar
como um torpedo fora de água.

A grande migração de atuns pode voltar a Portugal.

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Você sabia que peixes podem morrer afogados?

Por Mateus Dias — 29 de Agosto de 2023, 00:11

A temperatura da água é muito importante para a sobrevivência de alguns peixes que vivem em oceanos abertos. Se ela estiver excepcionalmente quente, os níveis de oxigênio no mar diminuem e esses animais acabam morrendo afogados.

À medida que as temperaturas oceânicas aumentam, o nível de oxigênio dissolvido na água diminui. Ao mesmo tempo, o calor aumenta a taxa metabólica dos peixes, necessitando de mais energia e oxigenação. Sem oxigênio, esses animais terão que retirar energia de outros processos, como reprodução e crescimento, podendo causar a morte deles.

Desde abril, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos vem monitorando as temperaturas oceânicas. Milhares de peixes mortos já chegaram às áreas costeiras da Flórida e do Texas e em agosto, durante uma semana inteira, as temperaturas do Oceano Atlântico e do Golfo do México ultrapassaram 31° C.

Além da morte por falta de oxigênio, chamada de hipóxia, as altas temperaturas também acarretam o aumento da salinidade do oceano, resultando em uma combinação estressante para os peixes. Animais que vivem em baías e estuários são mais tolerantes a essas condições, já os peixes que vivem em oceanos abertos estão acostumados com ambientes estáveis, não sendo tão resilientes às mudanças.

Leia mais:

Onda de calor e mudanças climáticas

Até 2080, cerca de 70% dos oceanos globais irão sofrer perda de oxigênio devido às altas temperaturas, segundo um estudo de 2021, publicado na Geophysical Research Letters. No entanto, de acordo com o pesquisador Martin Grosell, professor e presidente do Departamento de Biologia Marinha e Ecologia na Escola Rosenstiel de Ciências Marinhas, Atmosféricas e da Terra da Universidade de Miami, é difícil prever até que ponto as atuais ondas de calor marinha irão afetar a população global de peixes.

Provavelmente não é bom, mas tentar determinar o impacto de uma onda de calor marinha isolada, como a que estamos vivendo este verão, nas populações de peixes é difícil para nós determinarmos. O que é importante perceber é que estas ondas de calor marinhas estão ocorrendo com mais frequência e são de maior gravidade do que costumavam ser com outros estressores.

Martin Grosell, em comunicado

Atividades de migração de peixes de áreas mais quentes para mais frias e com maior oxigenação já estão sendo observadas. Além disso, fisiologistas de peixes apontam que os peixes ficarão menores à medida que os oceanos continuam aquecendo.

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Sete perguntas e respostas sobre cavalos-marinhos em Portugal (e no mundo)

Por Inês Sequeira — 8 de Agosto de 2023, 11:49

Com a ajuda das respostas de Miguel Correia, biólogo marinho perito em cavalos-marinhos actualmente ligado à University of British Columbia, no Canadá, fique a conhecer melhor este grupo de peixes tão diferentes.

WILDER: Quais são as principais características que distinguem os cavalos-marinhos dos outros peixes?

Miguel Correia: os cavalos-marinhos são peixes carismáticos devido ao seu aspecto invulgar, pois parecem reunir um conjunto de características que se encontram noutras espécies completamente diferentes: o formato da sua cabeça (semelhante à do cavalo), uma cauda preênsil (macaco), uma bolsa ou marsúpio (canguru) e o movimento ocular independente (camaleão). Em vez de escamas, são cobertos por uma fina pele que se estende à volta das estruturas ósseas e que dão forma ao corpo destes peixes. 

Algumas espécies de cavalos-marinhos apresentam ainda espinhos, protuberâncias ósseas ou filamentos cutâneos, que se estendem na extremidade das estruturas ósseas que lhes dão forma. Na cabeça, essas estruturas formam tipicamente uma coroa, cuja forma pode variar de espécie para espécie. 

Todos os machos de cavalo-marinho se distinguem das fêmeas pela presença de uma bolsa, uma vez que são eles que carregam os ovos já fecundados.

Outra característica curiosa de todos estes peixes – sejam machos ou fêmeas – é que são desprovidos de dentes e têm um sistema digestivo simples, sem um verdadeiro estômago, alimentando-se de pequenos crustáceos e de outras espécies por meio de sucção, através do focinho.

Cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) grávido, no estuário do Tejo. Foto: Sylvie Dias

W: Onde é que são conhecidas populações de cavalos-marinhos nas águas portuguesas?

Miguel Correia: Actualmente, as populações de cavalos-marinhos mais estudadas são as que se encontram na Ria Formosa, no Algarve. Mas existem dados, ainda que escassos, de avistamentos de cavalos-marinhos noutras zonas costeiras de Portugal, tais como nos estuários do Sado, do Tejo, do Arade, do Mira e do Mondego, entre outros locais. 

W: O que se sabe actualmente sobre estes núcleos populacionais e o que falta saber ainda? 

Miguel Correia: Ainda há muito por saber acerca das populações de cavalos-marinhos nas zonas costeiras de Portugal. Embora se conheça que só existem duas espécies de cavalos-marinhos que ocorrem em Portugal continental – o cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) e o cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus) – ainda existe falta de conhecimento sobre aspectos da biologia, ecologia e comportamento das mesmas. 

A Ria Formosa é, sem dúvida, a zona portuguesa onde foram realizados mais estudos no sentido de melhor conhecer as populações de cavalos-marinhos locais. Estes estudos remontam ao início do século, quando uma investigadora canadiana do Project Seahorse desenvolveu o seu doutoramento a estudar essas espécies no local. Foi nessa altura, em 2001, que foi registada a maior densidade populacional das duas espécies de cavalos-marinhos europeus: o cavalo-marinho-de-focinho-comprido e o cavalo-marinho-comum.

No sentido de colmatar essa lacuna, em parceria com a Associação Natureza Portugal (ANP)/WWF, desenvolvemos esforços para fazer um primeiro levantamento das zonas de potencial interesse para estudo das populações de cavalos-marinhos ao longo da costa portuguesa, através do projecto “Cavalos-marinhos desconhecidos”. Este projecto de ciência cidadã pretende não só aumentar o conhecimento acerca dos cavalos-marinhos ao longo da costa portuguesa, como capacitar escolas de mergulho para a recolha de informações, através de censos visuais. 

Mais recentemente foi lançado o projeto EUROSYNG, financiado pela União Europeia, para aprofundar o conhecimento dos singnatídeos (cavalos-marinhos e marinhas) não só em Portugal, como também noutros países europeus, desde a Noruega no Atlântico Norte até à Itália e Grécia à mais a sul, no Mar Mediterrâneo. 

E de um ponto de vista local, o Projeto CavALMar, financiado pela Câmara Municipal de Almada, irá dar um importante contributo para melhor conhecermos as populações de cavalos-marinhos do Tejo. Será um levantamento populacional que irá abrir portas para estudos futuros, de modo a que melhor se compreendam as necessidades destas espécies emblemáticas, bem como a identificação de ameaças e a recomendação de acções de mitigação no sentido da conservação destas espécies, promovendo ao mesmo tempo a preservação da biodiversidade local.

Cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus). Foto: Sylvie Dias

W: Quais são os principais problemas que ameaçam estes peixes?

Miguel Correia: Os cavalos-marinhos habitam sobretudo zonas costeiras interiores, que são tipicamente impactadas por atividades humanas. Ao longo dos nossos estudos, identificámos algumas ameaças mais importantes, que têm um impacto negativo nas comunidades de cavalos-marinhos locais. 

Este estudo foi realizado, sobretudo, como parte do meu doutoramento na Universidade do Algarve. Nessa altura tinha sido identificado um decréscimo acentuado das populações de cavalos-marinhos na Ria Formosa. O meu estudo focou-se em tentar determinar as causas desse mesmo decréscimo, desenvolver acções de mitigação, bem como um conjunto de recomendações no sentido da conservação destas espécies. As principais ameaças encontradas foram a perda de habitat e a pesca acessória. 

No entanto, em 2016 foram registados os primeiros relatos de apanha ilegal de cavalos-marinhos para o mercado da medicina tradicional chinesa. Esta ameaça é, de facto, transversal à maioria das espécies de cavalos-marinhos e sem dúvida a mais impactante, sendo responsável pela apanha anual de um valor estimado de 70 milhões de cavalos-marinhos, todos os anos. A apanha de cavalos-marinhos para o mercado da medicina tradicional chinesa está intimamente ligada à pesca de arrasto, uma pesca não-selectiva e que causa destruição no fundo marinho. Esta arte de pesca remove indescriminadamente tudo por onde passa, incluindo vastas porções de habitat essenciais não só para os cavalos-marinhos, mas também para muitas outras espécies.

Além destas ameaças, convém referir a poluição química e sonora e também, com maior prevalência nos últimos anos, o efeito das alterações climáticas que causam variações acentuadas das temperaturas da água, o que potencia o surgimento de espécies invasoras.

W: Quais são as principais medidas para se melhorar a situação dos cavalos-marinhos?

Miguel Correia: Existem várias medidas que já foram implementadas. Desde logo, a inclusão de todas as espécies deste grupo no anexo II da Convenção Internacional do Comércio de Espécies Protegidas (CITES) permitiu que se tentasse regular o comércio de cavalos-marinhos, quer para a medicina tradicional chinesa quer para o mercado da aquariofilia, além dos ‘souvenirs’. Por outro lado, a inclusão desses peixes na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza permitiu o estabelecimento de uma métrica quanto ao perigo de extinção de cada espécie, alertando os decisores políticos, nalguns casos, para a urgência da implementação de medidas de conservação.

Na Europa, os cavalos-marinhos estão abrangidos nas convenções de Berna e Bona. Alguns países, como Portugal, já implementaram legislação específica que lhes atribui o estatuto de espécie protegida (Decreto-Lei nº38/2021). Isto para além da implementação de áreas de protecção para estes peixes, tais como aquelas que foram delimitadas na Ria Formosa, o principal ‘handicap’ é a fiscalização. De facto, sem esta não se consegue assegurar que a legislação em vigor tenha real impacto na conservação das populações de cavalos-marinhos no país.

W: Os cavalos-marinhos conseguem adaptar-se a viver em ambientes com lixo? 

Miguel Correia: O impacto das atividades humanas nas zonas costeiras onde habitam cavalos-marinhos tem sido responsável por alterações em alguns aspectos da ecologia e comportamento destas espécies. Algumas tiveram de se adaptar a ambientes mais impactados pelas atividades humanas, como poluição pelo lixo marinho. Muito deste é composto por elementos provenientes dessas mesmas actividades, incluindo, mas não só, a pesca lúdica e profissional. 

Cavalo-marinho no estuário do Tejo, no meio do lixo. Foto: Sylvie Dias

A baía da Trafaria é um desses exemplos. A comunidade de cavalos-marinhos residente no porto de abrigo da Trafaria encontra neste local, embora altamente impactado pelo lixo marinho, um sítio abrigado e com estruturas de fixação, onde podem fazer face às correntes marinhas. Mesmo que seja artificial, qualquer estrutura de fixação é importante para estas espécies, já que possuem locomoção limitada quando os comparamos com outros peixes. A sua morfologia única, tal como a modificação da barbatana caudal para uma cauda preênsil, fazem com que estes peixes se desloquem na vertical, dependendo das duas barbatanas peitorais e dorsais para se locomoverem.

Em situações de perda de habitat, como foi identificado na Ria Formosa aquando do meu doutoramento, podem ser consideradas acções de mitigação, como a implementação de estruturas artificiais temporárias. Estas estruturas, já usadas com sucesso na Ria Formosa (mais informação aqui e aqui), permitem a colonização e o estabelecimento de populações de cavalos-marinhos em zonas degradadas. 

Este tipo de ações de mitigação já foram usadas para o mesmo fim noutros países tais como a Grécia e a Austrália. No entanto, não pretendem substituir-se ao habitat natural, que deve ser de todas as formas possíveis reabilitado, permitindo assim contribuir para o aumento da biodiversidade local.

W: Porque devemos investir recursos no conhecimento e na conservação destes peixes?

Miguel Correia: Devido ao seu sedentarismo e vida bentónica (no fundo marinho), os cavalos-marinhos são espécies indicadoras por excelência. A monitorização continuada destas espécies permitirá fazer uma avaliação geral do estado atual da biodiversidade local. Eventuais flutuações no tamanho das populações, como já foi registado para a Ria Formosa, poderão indiciar factores de pressão que estão igualmente a ter impactos noutras espécies. Por outro lado, os cavalos-marinhos são espécies bandeira que conseguem atrair a atenção junto das comunidades locais, sendo veículos importantes em acções de sensibilização e promotores de acções de conservação. 

Assim, todas as acções que sejam implementadas no sentido de preservar o habitat e assegurar a sobrevivência destes peixes irão beneficiar muitas outras espécies que não partilham do seu carisma, assegurando que as gerações futuras possam desfrutar dos valores naturais tão importantes que Portugal tem para oferecer.

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Portugal escondido: os cavalos-marinhos que vivem frente à Trafaria, Almada

Por Inês Sequeira — 8 de Agosto de 2023, 10:45

Investigadores do projecto CavALMar mergulharam no Tejo para saber quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos do concelho de Almada, da Cova do Vapor à Base Naval do Alfeite. A Wilder acompanhou uma das saídas de campo e conta-lhe o que viram.

Nesta manhã de Junho, a ventania na zona da Trafaria, na margem Sul do rio Tejo, faz voar a areia em grandes rajadas. Mas no fundo do rio, os sedimentos estão suficientemente calmos para permitir um mergulho.

De pé junto à margem do rio, o grupo prepara-se. Mário Rolim, responsável pela segurança e pela manutenção dos equipamentos, Sylvie Dias, que está a fazer filmagens do projecto e duas investigadoras do MARE-ISPA – Noelia Rios e Friederike Peiffer – vestem rapidamente os fatos e colocam às costas as garrafas de ar comprimido. Pouco passa das 11h00 e os quatro desaparecem entre as ondas. 

Estes investigadores do projecto CavALMar estão a tentar saber quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos do concelho de Almada, da Cova do Vapor à Base Naval do Alfeite.

Um cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus), junto à frente ribeirinha do município de Almada. Foto: Sylvie Dias

Os cavalos-marinhos pertencem à família dos singnatídeos. Em Portugal ocorrem duas espécies, o cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) e o cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus).

Segundo Miguel Correia, investigador ligado ao CavALMar e perito em singnatídeos, há cavalos-marinhos na Ria Formosa, onde está a população que tem sido mais estudada, mas também no estuário do Tejo e nos estuários do Sado, Arade, Mira, Mondego, entre outros.

Para quem vive na costa do concelho de Almada, a existência de cavalos-marinhos nas águas do Tejo não é novidade. Numa tese de mestrado concluída em Junho, Joana Macedo de Oliveira, investigadora no MARE-ISPA, ouviu muitos pescadores a recordarem a tradição associada a estes peixes, apanhados por acidente em redes de pesca, como talismãs. Depois de secos, havia – haverá ainda? – quem os usasse no chapéu ou os guardasse para atrair boa sorte e prosperidade.

Mas apesar de a existência de cavalos-marinhos ali na zona ser já conhecida, a importância destas populações é algo novo para a comunidade científica.

Foi em 2019 que Gonçalo Silva, biólogo marinho da unidade regional de investigação do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente no ISPA/Lisboa, encontrou pela primeira vez vários cavalos-marinhos quando mergulhou no estuário à sua procura, em frente à Trafaria, desafiado por um amigo que ali vive e se dedica ao mergulho profissional, Mário Rolim. “Após o primeiro mergulho que fiz, disse: ‘Temos de fazer alguma coisa aqui, porque não é normal num mergulho de 40 a 45 minutos vermos 10, 12, 15 cavalos-marinhos’”, recorda o biólogo marinho.

Um mergulho de exploração em busca de cavalos-marinhos. Foto: Sylvie Dias

Depois de vários contactos com a Câmara Municipal de Almada, em 2022 foi assinado um protocolo para o projecto CavALMar. Esta parceria entre o MARE-ISPA e a autarquia, que financia os trabalhos de investigação, foi lançada com o objectivo de se saber quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos do concelho.

Assim, entre Setembro passado e este último mês de Julho, uma equipa de investigadores fez mergulhos de exploração em 13 pontos diferentes da frente ribeirinha norte do concelho, da Cova do Vapor ao Alfeite, quando as condições do rio o permitiam e quando tinham licença das autoridades. É que durante uma boa parte do ano as águas do Tejo ficam de tal forma turvas – basta chover e levantarem-se os sedimentos do rio – que os investigadores deixavam de ter condições para encontrar estas pequenas criaturas.

Cavalos-marinhos vivem no meio do lixo

Na baía da Trafaria, os cavalos-marinhos adaptaram-se ao ambiente local. A qualidade das águas do rio melhorou muito nos últimos anos graças à instalação de estações de tratamento, mas continua a haver muito lixo: pedaços de redes de pesca, linhas e canas e anzóis, bocados de armadilhas destinadas a polvos – ou não fosse esta uma terra de pescadores – mas também muitas garrafas de plástico. E até objectos muito maiores, que ninguém adivinharia que por ali andam. 

Nos seus mergulhos na Trafaria, Gonçalo Silva já encontrou carrinhos de supermercado completamente submergidos. Num sinal dos tempos, deparou-se com cavalos-marinhos que se agarravam com as caudas enroladas à volta dos ferros destas estruturas, como se substituíssem as ervas das pradarias marinhas que lhes servem de abrigo no habitat natural. “Isto não é necessariamente bom”, ressalva o biólogo marinho.

Um carrinho de supermercado, escondido pelas águas do estuário do Tejo. Foto: Sylvie Dias

Tanto aqui no Tejo como um pouco por todo o mundo, os peixes singnatídeos (cavalos-marinhos e marinhas, entre outros) estão ameaçados, pois vivem em locais muito afectados pelas actividades humanas.

“Estes peixes têm uma relação muito particular com o fundo. Devido às suas características não são muito móveis e por isso a ameaça é ainda maior”, descreve Gonçalo Silva, que adianta que “a destruição e fragmentação dos habitats, sobretudo dos habitats costeiros e estuários pouco profundos onde estes singnatídeos vivem, faz com que fiquem ameaçados”.

No estuário do Tejo, além de serem apanhados acidentalmente nas redes de pesca, tanto os cavalos-marinhos como muitas outras espécies que ali vivem são também vítimas das ganchorras – um equipamento que arrasta tudo aquilo por onde passa, no fundo do estuário, usado para a apanha de amêijoa.

“Existem cerca de 30 licenças atribuídas desde a Trafaria ao Bugio [concelho de Cascais], mas muitas pessoas operam sem licença”, critica Gonçalo Silva, que alerta para os fortes impactos que estas pequenas dragas têm para a vida do rio. A falta de cumprimento das regras e de uma fiscalização mais eficaz é, aliás, um problema reconhecido pela comunidade local, em resposta aos cerca de 100 inquéritos realizados por Joana Macedo de Oliveira na sua tese de mestrado. 

À procura, mesmo ao lado do terminal dos cacilheiros

Durante um par de horas, a equipa irá nadar em busca de cavalos-marinhos nas águas junto ao Forte de Nossa Senhora da Saúde, alguns metros à direita do terminal de cacilheiros da Trafaria.

Cá fora, Gonçalo Silva, que não mergulhou devido a uma lesão recente, enumera o que as investigadoras têm feito noutras ocasiões, e que terão de repetir se encontrarem um destes peixes: “Quando isso acontece, têm de agarrar no cavalo-marinho, medi-lo, fotografá-lo e retirar uma amostra de tecido para se analisar o ADN.”

Medição de um cavalo-marinho. Foto: Sylvie Dias

Enquanto esperamos, vamos observando o lixo espalhado naquele lado da enseada, à beira do rio. Algumas placas e inúmeras esferas minúsculas feitas de esferovite convivem com destroços de madeira e com garrafas, copos e tampas de plástico, fios de nylon e conchas de choco, entre outros vestígios da forte actividade humana que ali se faz sentir.

Entretanto, já são quase 13h00 e finalmente os quatro mergulhadores saem do rio. Desta vez tiveram pouca sorte e não encontraram cavalos-marinhos, apenas uma marinha da espécie Syngnathus acus e uma rede fantasma, como se chama às redes de pesca que ficam abandonadas debaixo de água.

Mas ainda restam outros locais para explorar, como a zona junto ao porto de abrigo onde, apesar de existir também muita poluição, há relatos de várias observações. Ali, a existência de muitos cabos de amarração destinados aos barcos de pesca é também propícia a estes peixes, que os aproveitam para se agarrarem com as caudas. 

Quinze cavalos-marinhos

Passadas poucas semanas e concluídos todos os mergulhos do trabalho de campo, a equipa de investigadores tinha contabilizado um total de 15 cavalos-marinhos na baía da Trafaria – isto sem contar com os 20 que tinham sido resgatados da mesma zona em Março de 2022, quando ali se deu a queda de um pontão, e que estão à guarda do Oceanário de Lisboa.

“A comunidade de cavalos-marinhos residente no porto de abrigo da Trafaria encontra neste local, embora altamente impactado pelo lixo marinho, um sítio abrigado e com estruturas de fixação, onde podem fazer face às correntes marinhas”, indica Miguel Correia, que actualmente está a trabalhar na University of British Columbia, no Canadá.

Cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) no estuário do Tejo, no meio do lixo. Foto: Sylvie Dias

“Mesmo que seja artificial, qualquer estrutura de fixação é importante para estas espécies, já que possuem locomoção limitada quando os comparamos com outros peixes.”

Os resultados saídos do trabalho de campo mostram também que foram observados singnatídeos em nove dos 13 locais do projecto CavALMar, adianta por sua vez Gonçalo Silva. 

Além dos vários locais onde detectaram cavalos-marinhos, na costa ribeirinha do concelho de Almada, e da forma como estes se foram adaptando ao ambiente pouco natural que os rodeia, outra descoberta que surpreendeu os investigadores foi o tamanho desses peixes face aos que foram estudados em toda a sua área de distribuição. Numa tese de mestrado desenvolvida por Kara McKee, em que esta comparou centenas de fotografias captadas de cavalos-marinhos, a investigadora explica que essas características se fazem notar em especial na população da Trafaria, faltando ainda perceber quais serão os motivos.

Para o futuro, a equipa de investigadores tem esperança de poder avançar com o restauro das pradarias marinhas desta zona de transição entre o rio e o Atlântico, que serve de abrigo aos cavalos-marinhos e a tantas outras espécies. Mas isto só será possível, acredita o investigador do MARE-ISPA, se conseguirem envolver os habitantes e as empresas locais nos objectivos de conservarem a biodiversidade desta área ribeirinha e se se reforçar a fiscalização. Este poderá ser o passo que se segue na recuperação da natureza no estuário do Tejo.

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Maioria dos peixes de água doce e migradores em Portugal correm risco de extinção

Por Inês Sequeira — 26 de Julho de 2023, 18:36

De acordo com os resultados do projecto que avaliou o estatuto das 43 espécies deste grupo registadas para Portugal continental, 60% estão ameaçadas, foi anunciado esta quarta-feira.

A lampreia-do-nabão (Lampetra auremensis), que vive apenas neste afluente do rio Tejo, e o ruivaco-do-oeste (Achondrostoma occidentalis), presente apenas nalgumas pequenas ribeiras da Zona Oeste, são dois dos peixes Criticamente em Perigo que correm o risco mais sério de se extinguirem nos próximos anos se nada for feito. Juntamente com a lampreia-do-sado (Lampetra lusitanica), são também espécies que existem apenas em território português, pelo que o seu possível desaparecimento irá significar que deixam de existir no mundo todo.

Entre as seis espécies agora avaliadas para Portugal continental que se concluiu estarem Criticamente em Perigo, o último degrau possível antes da extinção, constam ainda três peixes migradores, que vivem entre os rios e o mar, e não são exclusivos do território nacional: lampreia-de-rio (Lampetra fluviatilis), salmão-do-atlântico (Salmo salar) e truta-marisca (Salmo trutta).

Estes são alguns dos resultados obtidos ao fim de cinco anos do projecto do Livro Vermelho dos Peixes de Água Doce e Migradores de Portugal, que se concluiu esta quarta-feira com uma cerimónia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ao todo, a equipa encontrou um total de 26 espécies ameaçadas de extinção, das 43 que foram avaliadas de acordo com os critérios e categorias da União Internacional para a Conservação da Natureza.

A verdade é que muitas espécies estão apenas um pouco melhor do que as seis no topo das mais ameaçadas. Assim, foram encontrados 15 peixes Em Perigo – incluindo seis espécies que em todo o mundo vivem apenas em rios portugueses, como a boga-do-sudoeste (Iberochondrostoma almacai) e a boga-portuguesa (Iberochondrostoma lusitanica). Já outras cinco espécies, incluindo a lampreia-marinha (Petromyzon marinus), estão com um estatuto Vulnerável.

Feitas as contas, nove das 10 espécies que existem apenas em rios portugueses enfrentam um risco de extinção extremamente ou muito elevado. E os investigadores confirmaram também o que já se sabia desde 2005, quando foi publicado o Livro Vermelho dos Vertebrados: o esturjão é uma espécie extinta em Portugal.

Uma boa parte dos problemas que afectam estas espécies devem-se à falta de mobilidade de muitas delas: como sobrevivem apenas nalguns rios, estes acabam por actuar como pequenas ilhas, e a sua área de distribuição é assim muito reduzida. Assim, esses peixes ficam à mercê de ameaças como a regularização dos rios e a captação de água – os dois principais problemas encontrados pelo projecto – mas também a construção de barragens, a poluição vinda das habitações e das explorações agrícolas e florestais e ainda as alterações climáticas.

O livro que vai reunir toda esta informação irá estar disponível até ao final do Verão. Para breve, espera-se também a entrada em funcionamento do novo SNIPAD, uma base de dados digital aberta ao público, que vai reunir toda a informação agora conseguida e ajudar também a identificar espécies de peixes.

Este Livro Vermelho foi coordenado por investigadores do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais e do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

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