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A incrível história de Aravil, o abutre-preto salvo da morte e reencontrado 13 anos depois

Por Inês Sequeira

Um dos primeiros descendentes do maior abutre europeu, quando a espécie voltou a nidificar em Portugal, em 2010, Aravil recebeu ajuda quando era ainda uma jovem cria. A Wilder falou com Samuel Infante, da Quercus, e conta-lhe como foi e como agora reapareceu.

Foi graças a uma velha anilha com uma mistura de letras e números já em desuso, tão suja de terra que nem de metal parecia, que Samuel Infante conseguiu identificar Aravil poucas horas depois de o encontrar no Parque Natural do Tejo Internacional, no início de Dezembro, contou à Wilder.

Tal como acontecera antes com outros abutres-pretos, Aravil tinha-se deixado seduzir por um pedaço de carne crua deixado dentro de uma caixa-armadilha, num dos campos de alimentação para aves necrófagas que são geridos pela Quercus no Parque Natural do Tejo Internacional. A ONG portuguesa, dedicada à conservação da natureza, é co-gestora desta área protegida raiana que se estende por mais de 26.000 hectares, ocupando parte dos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Vila Velha de Ródão.

Na verdade, a “armadilha” onde Aravil foi encontrado é bastante maior do que imaginávamos. Samuel descreve-a como “um espaço com 12 metros de comprimento e seis de largura, com 1,5 metros de altura”. Só ali cabemos se ficarmos curvados, mas para os abutres há bastante espaço.

Aravil ao fundo no centro, dentro da caixa-armadilha, atrás de um dos grifos. Foto: Samuel Infante

Quando deram com ele dentro da caixa-armadilha, Aravil estava acompanhado por 12 grifos, também abutres, tanto ele como os outros atraídos pela comida. As atenções da equipa centraram-se no abutre-preto, por ser de uma espécie que em Portugal está ameaçada de extinção. Para começar, Samuel Infante e outros membros da Quercus avaliaram a saúde da ave e retiraram-lhe sangue para análises, no âmbito de um projecto de monitorização de chumbo e de outros metais pesados e antibióticos.

“Este bicho é muito antigo”

Na mesma altura foi-lhe também colocado um emissor GPS por Alfonso Godino, em parceria com o projecto LIFE Aegypius Return, como têm estado a fazer aos abutres-pretos adultos capturados na região. “Estes emissores permitem-nos saber quais são as áreas de nidificação e de alimentação dos abutres-pretos adultos e identificar as linhas eléctricas e outras ameaças, além de alertarem para quando um destes animais morre”, explica Samuel Infante, que é coordenador do CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco.

Pormenor da velha anilha de metal (em cima à esq.), a equipa avalia a saúde de Aravil (em cima à dir.), e colocação do emissor GPS (em baixo). Fotos: Samuel Infante

Mas quando reparou que este abutre-preto tinha uma anilha, “tão velha e tão suja que nem parecia de metal”, e com uma série inscrita “que não era usada há mais de 10 anos”, Samuel percebeu: “Este bicho é muito antigo”, recorda-se de pensar.

Assim, horas depois de libertarem a ave, quando chegou a casa, o coordenador do CERAS foi à procura dos registos mais antigos relativos a anilhagens realizadas há mais de uma década. E apercebeu-se de que tinham reencontrado Aravil, mais de 13 anos depois da primeira anilhagem.

“Já sabemos onde está a nidificar, numa azinheira no concelho de Idanha-a-Nova. Tem estado muito perto do sítio onde nasceu.” A ave vai ser vigiada à distância com auxílio do emissor GPS, até porque mostrou ter problemas de coagulação no sangue, “provavelmente associados a altos níveis de chumbo.” Se vier a precisar, pode ser que seja resgatado e regresse por algum tempo ao centro de recuperação de animais selvagens, onde esteve no início da vida.

A devolução de Aravil à natureza, na região de Idanha-a-Nova. Fotos: Samuel Infante

Um dos primeiros abutres-pretos em Portugal

Foi no final de Junho de 2010, com poucas semanas, que o pequeno Aravil foi encontrado depois de cair do ninho que tinha colapsado em cima de uma árvore. Poderiam ter sido más notícias, se tanto esta cria como outro pequeno abutre-preto também resgatado do chão poucos dias antes, baptizado de Tejo, não tivessem sobrevivido. [Tejo, entretanto, depois de libertado foi monitorizado durante três anos, através de um transmissor de satélite, e foi para o lado espanhol do Tejo Internacional, junto à serra de São Pedro.]

Tanto Tejo como Aravil, este último baptizado em honra de uma ribeira local, eram os primeiros descendentes dos primeiros casais de abutre-preto que em 2010 voltaram a nidificar em Portugal – passados 40 anos de uma longa ausência – vindos da população espanhola do outro lado da fronteira.

Aravil tinha sido anilhado pouco depois de nascer, ainda no ninho. Quando passado algum tempo a equipa que acompanhava o nascimento das duas crias o encontrou no chão, junto à árvore onde tinha nascido, “bastante mal e desidratado”, ficou internado uma semana no CERAS até ser devolvido ao ninho – que tinha sido substituído por uma plataforma artificial instalada no mesmo local, bastante mais segura.

O pequeno Aravil, quando esteve internado no CERAS em Junho de 2010. Foto: Samuel Infante

Uma decisão difícil

A devolução da pequena ave ao local onde tinha nascido foi uma decisão arriscada e que poderia não ter resultado, mas acabou por correr tudo bem. “Normalmente os abutres-pretos, quando perdem uma cria, afastam-se. Neste caso ainda continuavam por ali.” A equipa foi contactando diariamente com Aravil às escondidas, subindo por uma escada para o alimentarem. Este mantinha-se sozinho e bastante indefeso, até porque em pleno Verão, numa região quente com aquela, “ainda não tinha penas para se defender do calor”.

Aravil a ser transportado para o ninho (em cima) e a alimentação da pequena ave, nos primeiros dias. Fotos: Samuel Infante

Até que houve uma surpresa muito bem-vinda: “Um dia, quando estávamos a observar, um dos progenitores deu uma volta por cima do ninho e pousou. E pôs-se de costas para o sol e abriu as asas, para fazer sombra para a cria.” Perceberam então que iria correr tudo bem. Durante algum tempo, o jovem abutre foi seguido à distância, com a ajuda de um emissor VHF que lhe tinha sido colocado com a colaboração da ONG espanhola Grefa, mas “depois dispersou, a bateria do emissor deixou de funcionar e perdemos-lhe o rasto.”

Contas feitas, desta vez pode ser que Aravil seja seguido por muito tempo. Em cativeiro, sabe-se que aves da espécie vivem cerca de 40 anos, enquanto que na Península Ibérica são conhecidos abutres-pretos que viveram na natureza por mais de duas décadas, nota Samuel Infante. Para já, este abutre faz parte dos 44 a 46 casais que nidificam actualmente nesta região do país, onde vive o maior núcleo populacional português da espécie.

Certo é que agora que foi encontrado, com 13 anos e meio, Aravil é um dos abutres-pretos controlados à distância com mais idade em toda a Europa. Neste caso, o recorde pertence a um outro abutre de 15 anos e oito meses, segundo os dados mais recentes disponíveis de longevidade de aves anilhadas. Talvez Aravil venha a bater essa longevidade. Seriam boas notícias para a espécie e outra história incrível para esta ave.


Saiba mais.

Leia aqui todas as notícias já publicadas na Wilder sobre o abutre-preto em Portugal.

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Está nos genes: conseguem as “letras” do DNA controlar a migração das aves?

Por Pedro Andrade

Pedro Andrade, investigador no CIBIO-InBIO (Universidade do Porto), revela-nos o que os cientistas já descobriram sobre o incrível mecanismo que leva algumas aves a voarem milhares de quilómetros, todos os anos.

O outono está perto do fim e para muitas aves este período corresponde a uma das etapas mais importantes do seu ciclo anual. Ao longo destes últimos meses, milhões de aves fizeram viagens de milhares de quilómetros desde os locais de reprodução até aos locais onde irão passar o inverno. 

Quando chegar o final do tempo frio, os sobreviventes tentarão fazer a viagem de regresso, enfrentando desafios como o cansaço, falta de habitat, predadores, ou tempestades. Este espetáculo natural repete-se de forma regular, ano após ano. Incrivelmente, e sobretudo nas espécies de aves mais pequenas, estes movimentos são feitos de forma isolada. Até os jovens que nasceram no próprio ano conseguem migrar, sabendo a altura certa do ano para viajar, a direção que têm que tomar, a velocidade a que voar, o período do dia no qual fazer a viagem… Tudo isto sem terem os pais a ajudar, ou um manual de instruções que lhes diga como, quando e para onde migrar.

Ou será que têm? Todos os seres vivos, grandes e pequenos, possuem em si um “manual de instruções”, passado de geração em geração, que os guia durante o seu desenvolvimento. Estou a falar naturalmente da informação genética, codificada por moléculas de ácido desoxirribonucleico (DNA) no núcleo das nossas células, que funcionam quer como o meio que transmite informação hereditária, quer como “livro de receitas” com as instruções para fazer proteínas essenciais para o organismo se desenvolver e se relacionar com o meio envolvente.

A observação de que, numa população, a maioria dos indivíduos têm um “programa migratório” muito semelhante entre si é uma sugestão muito clara de que não só a capacidade de migrar das aves é herdada dos pais, mas também traços mais específicos como a orientação ou a época do ano na qual migrar. Isto é confirmado por estudos em cativeiro, com espécies como a toutinegra-de-barrete ou a codorniz, que demonstraram que é possível, com cruzamentos controlados, e em poucas gerações, transformar uma população não-migradora em migradora (e vice-versa).

A toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapilla) é um dos exemplos clássicos no estudo da migração. Estudos feitos com esta e outras espécies ajudam-nos a perceber como é que a variação genética das aves está associada ao controlo dos movimentos migratórios, e consequentemente, como a migração poderá evoluir ao longo do tempo. Foto: Pedro Andrade

Existe então algo no DNA das aves que funciona como o “manual da migração”, mas o que é? E como é possível que algo tão simples como uma molécula de DNA, composta por uma alternância ordenada de quatro elementos básicos – que a ciência traduz como as quatro “letras” A, C, G e T – consiga conter informação que uma ave usa para executar um comportamento tão complexo como a migração?

Ninguém sabe ainda muito bem! É só mais um dos mistérios que os cientistas tentam descobrir sobre a forma como a natureza funciona. Do ponto de vista mais fundamental, sabemos que o DNA de um organismo é constituído por uma longa sequência de quatro moléculas mais simples, os nucleótidos – as tais quatro “letras” – que quando estão ordenados da forma correta permitem às nossas células transcrever a informação e traduzi-la em proteínas.

Um pouco como se tivéssemos um livro de receitas: cada “ingrediente” neste “livro” gigante é um gene, constituído por uma sequência específica de DNA. Num vertebrado típico, como uma ave ou uma pessoa, o seu “livro de receitas” é constituído por cerca de 20 mil genes. As muitas interações que se estabelecem entre eles, e entre cada um deles e o meio envolvente, são fundamentais para o funcionamento desse organismo. Os fundamentos disto são bem conhecidos, mas a sua aplicação ao funcionamento de um ser vivo na natureza está muito longe de ser bem compreendido.

Um dos aspetos fundamentais da migração que se sabe ser controlado pela informação genética é a capacidade de orientação. Em experiências antigas, aves migradoras colocadas em cativeiro, sem acesso a informação exterior que lhes permitisse saber como migrar, acabavam na mesma por ter não só o instinto migrador como também tentar voar na direção apropriada consoante o período do ano (por exemplo, tentavam voar para sul no outono, e para norte na primavera). Cedo se percebeu que esta capacidade estaria ligada a uma perceção do campo magnético natural da Terra, mas como funciona esta sensibilidade?

Uma das características fundamentais desta bússola natural das aves é a sensibilidade à luz, nomeadamente a alguns comprimento de onda de luz (mesmo que em baixas intensidades) – tanto que aves migradoras expostas à ausência de luz, ou a luzes do espectro do amarelo ao vermelho, perdem a capacidade de interpretar o campo magnético natural. Isto ajudou vários investigadores a identificar um grupo de proteínas (e os seus genes associados) como candidatos na condução deste processo: os criptocromos, um grupo bastante particular de moléculas que adquirem propriedades magnetorecetoras quando são induzidas pela luz, permitindo a deteção do campo magnético da Terra.

Em experiências conduzidas em laboratório, um grupo internacional de cientistas demonstrou recentemente que um destes criptocromos, designado CRY4, e que é particularmente ativo nas células fotorrecetoras, que captam a luz que chega à retina das aves, tem sensibilidade ao campo magnético. Mais: a versão da proteína CRY4 de uma espécie migradora, o pisco-de-peito-ruivo, tem maior sensibilidade magnética do que as versões equivalente da CRY4 em espécies não-migradoras como a galinha e o pombo-doméstico. Num próximo passo, será essencial demonstrar o seu funcionamento em aves durante a migração…

No pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), cientistas demonstraram que a proteína do gene CRY4 está ativa na retina e tem capacidade para detetar magnetismo, uma ferramenta essencial do “kit de migração” das aves. Foto: Pedro Andrade

Em qualquer caso, estas experiências sugerem que modificações em pedaços muito específicos do “livro de receitas” das aves podem moldar a forma como estas migram. Ainda assim, a migração é um comportamento extremamente complexo que requer a integração de várias adaptações específicas: desde mudanças comportamentais como a maior propensão para voos longos, à capacidade de orientação e à otimização aerodinâmica da morfologia destas aves, sem esquecer as alterações fisiológicas que lhes permitem o aproveitamento dos nutrientes essenciais para o voo. 

Caso precisem de modificar a sua estratégia de migração, mudar um só “ingrediente” da receita poderá não ser suficiente para estas espécies migradoras. Aliás, face ao panorama atual de alterações ambientais, que têm um grande potencial para afetar os padrões de migração, as aves poderão precisar de mudar drasticamente a forma como o fazem. Isto, caso as mudanças ultrapassem os limites de flexibilidade natural que cada estratégia já possui.

Mais uma vez, juntar os conhecimentos da ecologia e da genética ajuda-nos a perceber como alterações às instruções genéticas das aves poderão ajudá-las a responder às mudanças ambientais. Um bom exemplo é-nos dado pela codorniz, uma pequena ave que é sobretudo um migrador que passa os meses quentes na Europa e os meses frios em África. Nas regiões do Sul da Ibéria, como no Algarve, vários estudos demonstraram que nas últimas décadas aumentou consideravelmente o número de codornizes que “decidem” aí ficar durante todo o ano, em vez de encetar as longas migrações, talvez o reflexo de invernos cada vez mais amenos.

Ao comparar a informação genética destas codornizes com outras migradoras europeias, chegou-se à conclusão de que estas não-migradoras têm uma mutação genética particular – uma que não afeta apenas um gene, mas sim uma grande inversão num cromossoma que, de uma assentada, fez com que uma porção de 12% do genoma, com 7000 genes!, pudesse evoluir de forma diferente. 

Dentro destes 7000 genes poderão estar genes que explicam várias das características que diferenciam as codornizes “residentes algarvias” das “migradoras europeias”, incluindo o comportamento migrador, tamanho, cor e forma da asa. Deslindar quais características são explicadas por que genes, e como estes exercem a sua ação no organismo, serão os próximos e difíceis passos.

Há muito tempo atrás, surgiu numa codorniz (Coturnix coturnix) uma mutação genética que consistiu na inversão da maior parte do cromossoma 1. Hoje em dia, esta mutação é prevalente nas codornizes que encontramos no Sul de Portugal, e poderá explicar porque é que estas adquiriram um comportamento não-migrador, em contraste com as codornizes migradoras europeias. Imagem e fotos: Pedro Andrade

Estas são só algumas das primeiras descobertas que se vão fazendo, que nos ajudam a perceber como é que as aves conseguem, de forma inata, executar migrações longas e complexas, e como poderão mudar no futuro para acomodar as mudanças ambientais, com base na informação genética que carregam nas suas células. Há 200 anos, nem certeza tínhamos de que as aves faziam migrações… O percurso do nosso conhecimento tem sido também muito longo!


Referências

– Justen, H., & Delmore, K. E. (2022). The genetics of bird migration. Current Biology, 32(20), R1144-R1149.

– Sanchez-Donoso, I., Ravagni, S., Rodríguez-Teijeiro, J. D., Christmas, M. J., Huang, Y., Maldonado-Linares, A., … & Vila, C. (2022). Massive genome inversion drives coexistence of divergent morphs in common quails. Current Biology, 32(2), 462-469.

– Xu, J., Jarocha, L. E., Zollitsch, T., Konowalczyk, M., Henbest, K. B., Richert, S., … & Hore, P. J. (2021). Magnetic sensitivity of cryptochrome 4 from a migratory songbird. Nature, 594(7864), 535-540.


A nova série “Está nos genes”, sobre a genética da vida selvagem, é da autoria de Pedro Andrade, investigador em biologia evolutiva no CIBIO-InBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéricos (Universidade do Porto), onde trabalha sobretudo em projetos relacionados com a genética de animais selvagens e domésticos. Descubra aqui mais artigos deste cientista.

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Sinais de esperança: Existem pelo menos 78 casais de abutre-preto em Portugal

Por Inês Sequeira

A análise e recolha de novos dados a nível nacional, realizada pelo LIFE Aegypius Return, permitiu duplicar as estimativas anteriores, anunciaram os responsáveis deste projecto de conservação.

Os últimos dados recolhidos pelos diferentes parceiros do LIFE Aegypius Return, que está a trabalhar para a recuperação desta ave necrófaga em Portugal e Espanha, indicam que existem entre 78 a 81 casais nidificantes em território nacional, afirma a equipa do projecto numa nota de imprensa divulgada esta terça-feira.

Destes casais, um total de sete encontram-se no lado espanhol da fronteira, a menos de 1000 metros desta, considerando-se que “ecologicamente integram as colónias portuguesas.”

O abutre-preto (Aegypius monachus), que é o maior abutre da Europa, tem uma envergadura de asas de quase três metros. Foi classificado em 2005 como Criticamente em Perigo em Portugal. Após a sua extinção como espécie reprodutora no país, na década de 1970, o primeiro ninho em território nacional foi observado em 2010, no Parque Natural do Tejo Internacional.

Em 2022, estimava-se existirem apenas cerca de 40 casais nidificantes no país, recorda a equipa do LIFE Aegypius Return numa nota de imprensa, na qual adianta que “o elevado aumento deste número [agora revelado] é fruto de uma apurada prospecção de novos ninhos, monitorização e coordenação de dados de várias entidades”.

Abutre-preto no ninho. Foto: Alfonso Godino/Aegypius Return

No entanto, o êxito reprodutor é ainda “relativamente baixo, comprometendo a continuidade da espécie a longo prazo”. Isto porque os casais contabilizados só tiveram 50 crias nascidas este ano, das quais apenas sobreviveram 35 a 37 pequenas aves. Feitas as contas, o sucesso reprodutor do abutre-preto em Portugal cifra-se em 0,47, indicam os responsáveis deste programa LIFE cofinanciado por fundos europeus, liderado pela Vulture Conservation Foundation.

“É objectivo do projecto garantir condições favoráveis à espécie para que, até 2027, este parâmetro aumente para um valor superior a 0,5”, adianta a equipa. A acontecer, isso significará que pelo menos metade das posturas resultam num juvenil voador sobrevivente até à idade adulta, assegurando “a renovação e a continuidade” desta espécie em Portugal.

Quatro colónias

Em território português, o abutre-preto está hoje presente em quatro colónias diferentes, todas elas ao longo da fronteira. Os dados recolhidos pelo projecto mostram que o Tejo Internacional, área protegida na região de Castelo Branco, se mantém como o maior núcleo reprodutor destas aves necrófagas, seguindo-se a Herdade da Contenda (Baixo Alentejo), a Serra da Malcata e o Parque Natural do Douro Internacional, na região de Miranda do Douro.

Infografia: LIFE Aegypius Return

Douro e Malcata aumentam casais

No Douro Internacional, a colónia “mais limítrofe, isolada e frágil”, monitorizada pela associação Palombar juntamente com a delegação regional do Norte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), teve este ano três casais que ali fizeram ninho, adiantam também os responsáveis do LIFE Aegypius Return. Esta terá sido a primeira vez que se registou aqui um número tão elevado de casais, desde que a espécie regressou à região em 2012.

Já a colónia da Serra da Malcata teve o maior aumento no número de ninhos conhecidos e de casais nidificantes identificados, entre as quatro colónias portuguesas. No ano passado tinham sido registados apenas dois casais nidificantes, enquanto que este ano esse total aumentou para 14, dos quais resultaram oito crias que sobreviveram. 

“Embora se verifique um efectivo aumento no número de casais nidificantes nesta colónia, estes resultados demonstram principalmente a importância da coordenação de esforços de monitorização”, afirma a equipa do projecto LIFE.

Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

“Em 2023, os técnicos e vigilantes do ICNF – Direcção Regional Centro e a Rewilding Portugal articularam as metodologias de prospecção e monitorização da espécie na Zona de Protecção Especial (ZPE) da Serra da Malcata, definidas conjuntamente no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, tendo obtido impressionantes resultados”, descrevem, acrescentando que “o parceiro Associação Transumância e Natureza (ATNatureza) reforçou a prospeção de ninhos noutras regiões potencialmente adequadas à espécie, como, por exemplo, em Almeida e nos vales dos rios Coa e Águeda”. 

Aumento de mais de uma dezena no Tejo Internacional

O Tejo Internacional é a região que alberga a maior colónia de abutre-preto em Portugal. Em 2023, ali foram registados um total de 44 a 46 casais nidificantes – cinco dos quais localizados do lado espanhol da fronteira – o que representa um aumento de mais de uma dezena de casais nidificantes conhecidos, indicam os responsáveis do projecto. “Nesta colónia foram recrutadas 20 a 22 crias para a população, cinco das quais nascidas nos ninhos em território espanhol.” 

Foi no Tejo Internacional que o abutre-preto estabeleceu o seu primeiro ninho em Portugal após um desaparecimento de várias décadas, em 2010. A prospeção de novos ninhos e a monitorização em 2023 esteve a cargo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), contando ainda com o apoio da Quercus e dos vigilantes do ICNF – DR do Centro, que já asseguravam a monitorização da espécie, desde o seu regresso.

“A SPEA fez ainda a prospecção de habitats com condições favoráveis à espécie nas regiões de Serra de São Mamede, rio Sever, Serra das Talhadas, Vila Velha de Ródão e Serra de Penha Garcia. No entanto, nestas regiões não se confirmou a nidificação da espécie.” 

Herdade da Contenda com 17 casais

Quanto à Herdade da Contenda, localizada na Zona de Protecção Especial de Mourão/Moura/Barrancos, dentro da Rede Natura 2000, acolhe a colónia mais a sul de Portugal. Também aqui se registou um aumento no número de ninhos conhecidos e ocupados por abutre-preto, indica a equipa.

Cria de abutre-preto, na Herdade da Contenda. Foto: © Pinto Moreira/Herdade da Contenda

Os trabalhos de monitorização estão a cargo da Liga para Protecção da Natureza (LPN) e contam com a colaboração da Herdade da Contenda e os vigilantes do ICNF – DR do Alentejo. Em 2022, esta colónia registou 10 casais nidificantes, número que aumentou agora para um total de 17 a 18 abutres, inluindo dois em território espanhol. Destes, resultaram 12 posturas e cinco crias voadoras.


Saiba mais.

Recorde a acção realizada em Junho no âmbito deste projecto, para a marcação de 15 abutres-pretos para serem seguidos por GPS .

O conteúdo Sinais de esperança: Existem pelo menos 78 casais de abutre-preto em Portugal também está disponível em Wilder.

Enguia exótica com mais de um metro filmada no mar de Porto Covo

Por Inês Sequeira

Conhecida como enguia-fantasma ou moreia-de-brummer, esta espécie do indo-pacífico foi filmada por Joaquim Parrinha, investigador do MARE na Universidade de Coimbra, durante um mergulho nocturno.

Também chamada de enguia-de-fita-branca, e com o nome científico Pseudechidna brummeri, esta espécie de enguia nunca tinha sido avistada no Atlântico até agora, informa uma nota de imprensa divulgada pelo MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

Este predador nocturno, conhecido pela forma como caça pequenos peixes e crustáceos, é bastante comum em locais como o Pacífico Ocidental, o Oceano Índico e o Oceano Índico Ocidental, “todos muito distantes do local onde agora foi encontrada”, informa também o MARE. “Quando foi avistada, encontrava-se a uma profundidade de um a dois metros, junto ao porto de pesca de Porto Covo.”

Foi Joaquim Parrinha, investigador do MARE na Universidade de Coimbra, que se deparou com esta enguia com mais de um metro de comprimento quando filmava a biodiversidade marinha ao largo de Porto Covo. Enviou as filmagens à sua coordenadora, Sónia Seixas, que não teve dúvidas do que se tratava. “Esta espécie tem a particularidade de se enrolar de um modo muito específico parecendo uma ‘tira de papel’. O exemplar observado estava bem ativo e aparentava uma boa condição física”.

A descoberta foi descrita e confirmada num artigo publicado agora pela revista científica Marine Pollution Bulletin, depois de ser revista por cientistas independentes. O facto de terem avistado esta enguia tão longe do seu local de origem intrigou os dois investigadores, que atribuem este aparecimento a duas causas possíveis.

A hipótese mais plausível, para ambos, é que a enguia tenha sido acidentalmente transportada na água de balastro de uma embarcação que se dirigia ao porto de Sines, próximo de Porto Covo. A água de balastro é água do mar utilizada pelos navios para os estabilizar, inserida dentro das embarcações numa zona, durante o seu percurso, e mais tarde libertada noutras áreas e oceanos.

Outra possibilidade é que o animal observado tenha sido proveniente de um aquário e libertado no mar, uma vez que a enguia-fantasma “se vende na Europa como espécie ornamental para aquários de água salgada”, explica Sónia Seixas.

Por saber está se esta enguia é um único indivíduo, isolado, ou se já há mais do que um peixe desta espécie ao largo da costa alentejana. Caso se confirme a existência de mais do que uma enguia desta espécie, “os investigadores do MARE ponderam a necessidade de lançar uma campanha de monitorização”, adianta este centro de investigação.

A equipa está também “a estudar medidas para prevenir o aparecimento de outros exemplares”, pois esta enguia, “caso tenha potencial para se tornar uma espécie invasora, e dado o seu perfil predador, terá certamente impacto no ecossistema da região.” 

“Sendo proveniente do indo-pacífico, esta espécie traz-nos grandes apreensões pois sabemos como algumas espécies que foram introduzidas são nefastas para o ambiente”, afirma também a investigadora do MARE, citada na nota de imprensa. “No entanto, e sendo a espécie activa de noite, não nos parece que seja um problema para os banhistas nas praias.”


Saiba mais.

O vídeo com a enguia pode ser visto aqui.

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Na ribeira do Vascão, entre o Alentejo e o Algarve, estes pequenos peixes ajudam-se uns aos outros

Por Inês Sequeira

Um grupo de investigadores da Universidade de Évora descobriu um comportamento de limpeza entre bordalos, agora descrito pela primeira vez para a Península Ibérica e para peixes de água doce, na natureza.

Os bordalos (Squalius alburnoides) são pequenos peixes que em todo o mundo se observam apenas em Portugal e Espanha, onde habitam algumas das principais bacias hidrográficas, incluindo a do Guadiana. Foi num afluente deste rio, a ribeira do Vascão, que cientistas ligados à Universidade de Évora filmaram um comportamento de limpeza entre peixes desta espécie ameaçada, que poderá ter importância para a sobrevivência futura dos bordalos.

As conclusões a que chegou este grupo de seis investigadores foram publicadas esta semana num artigo da revista científica Fish Biology, no qual explicam que o bordalo é uma espécie Vulnerável à extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza. Trata-se também de um peixe com curiosas formas de reprodução, assexuada.

Bordalo. Foto: Universidade de Évora

A descoberta deste comportamento de limpeza nos bordalos “aconteceu por acaso”, uma vez que o objectivo do trabalho era na verdade “observar comportamentos de interação entre espécies nativas e invasoras de peixes”, contou à Wilder um dos membros da equipa e co-autor do artigo científico agora publicado, Filipe Banha.

Durante a estação seca, de Junho a Setembro, o calor e a ausência de chuva fazem com que a água da ribeira do Vascão, que traça uma parte da fronteira entre o Alentejo e o Algarve, fique confinada a pequenas áreas. Conhecidas como pegos, nelas se refugiam os peixes e outros animais aquáticos. Foi no fundo desses pegos, em Julho de 2021, que se colocaram dois protótipos desenhados pelos investigadores a partir de equipamentos adaptados, para se fazerem filmagens autónomas durante uma semana. As máquinas só funcionavam quando detectavam movimentos debaixo de água.

Ao analisarem as gravações – quase 40 horas de filme num dos pegos e mais de 70 horas no outro – os investigadores aperceberam-se de bordalos que pediam a outros peixes da mesma espécie que os limpassem, “adoptando uma posição imóvel conhecida como ‘pose'”. Esta produzia uma resposta imediata de apoximação e limpeza da parte de outros bordalos.

‘Frame’ de um dos vídeos que filmaram o comportamento dos bordalos, onde se pode ver um peixe em posição de “pose”

“Este estudo expande a muito curta lista de peixes de água doce com hábitos colaborativos de limpeza dentro da mesma espécie”, sublinha a equipa, numa nota de imprensa da Universidade de Évora. Esse comportamento de colaboração é aliás “muito útil em última instância para a sobrevivência” dos bordalos, sublinha Filipe Banha, uma vez que ajuda a combater as doenças e parasitas e reduz também o stress e a competitividade entre estes peixes.

Futuro desafiante

A questão é que os bordalos enfrentam um futuro desafiante, devido às alterações climáticas e às secas cada vez mais prolongadas, combinadas com a poluição e o aumento de espécies invasoras.

Já este ano, o mesmo comportamento de limpeza nesta espécie foi novamente observado pela equipa, durante filmagens num outro local da ribeira do Vascão. “Chegámos a observar vários indivíduos a solicitarem a limpeza simultaneamente e outros indivíduos a limparem os primeiros, tudo isto num curto espaço de segundos”, descreve o investigador, também ligado ao MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

Enquanto que estas ajudas na limpeza, dentro da mesma espécie, são conhecidas em peixes marinhos, em especial nos recifes de coral, e também noutros grupos de animais como os primatas, no que respeita a peixes de água doce este “é o primeiro trabalho a descrever este tipo de comportamento tendo como base observações feitas na natureza”, adianta também Filipe Banha. “Existe um ou outro trabalho com observações, mas feitas em cativeiros e para espécies não nativas do nosso país.”

Da equipa ligada a este estudo, além do MARE, fizeram também parte cientistas do CIBIO-Biopolis e do INESC-TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência.

O conteúdo Na ribeira do Vascão, entre o Alentejo e o Algarve, estes pequenos peixes ajudam-se uns aos outros também está disponível em Wilder.

A relva artificial está a passar dos campos de futebol para os rios e o mar

Por Inês Sequeira

É importante repensar o uso deste material em campos desportivos e outras estruturas, apelam investigadores responsáveis por um novo estudo científico, que detectaram a presença destas fibras na água através de um projecto de ciência cidadã.

Uma equipa de investigadores liderada pela Universidade de Barcelona deparou-se com quantidades importantes de pequenas fibras de plástico com origem em relva artificial, nas análises que fizeram a águas costeiras e fluviais.

De acordo com os resultados das análises realizadas em águas superficiais na costa de Barcelona e na foz do rio Guadalquivir, as fibras de relva artificial chegam a constituir mais de 15% dos plásticos com mais de cinco milímetros que flutuam nesses meios aquáticos. O estudo foi publicado esta semana pela revista científica Environmental Polution.

“As fibras de plástico que encontrámos são principalmente de polietileno e polipropileno, que coincidem com as tendências actuais de produção mundial de relva artificial e que normalmente se encontram a flutuar no meio aquático”, descreveu William P. de Haan, investigador da Universidade de Barcelona e primeiro autor do artigo científico, numa nota publicada sobre o estudo. As fibras foram encontradas “em zonas próximas da costa de grandes cidades como Barcelona.”

Os materiais analisados chegaram às mãos da equipa através de um projecto de ciência cidadã, Surfing for Science, no qual grupos de voluntários recolhem amostras com o auxílio de uma rede especial fixada em pranchas de ‘stand up paddle’ e noutras embarcações semelhantes. Dessa forma, desde 2014 que cientistas da Universidade de Barcelona analisam microplásticos e outros pedaços superiores a cinco milímetros recolhidos na costa catalã.

Ao todo, para o estudo agora publicado, a equipa analisou 217 amostras de água provenientes da costa de Barcelona e outras 200 da foz do rio Guadalquivir, situado no sul de Espanha. Mais de metade das amostras (62%) do mar continham fibras de relva sintética, enquanto que na foz do rio o mesmo aconteceu com 37% do total. A concentração destes materiais junto à costa foi também muito superior às águas fluviais, sendo 50% mais alta.

Os cientistas acreditam que essa diferença se deve a uma retenção mais pequena dos plásticos nos rios e também ao facto de estes materiais se acumularem ao longo de décadas na zona costeira, antes de se dispersarem para o mar alto.

Por outro lado, uma vez que o estudo foi realizado numa área restrita, “é de esperar que outras cidades também contenham fibras de relva artificial, mas a quantidade que se liberta no meio ambiente depende de muitos factores, como a tipologia, o uso e antiguidade dos campos ou superfícies com este material, a superfície total instalada e as medidas de prevenção em curso”, avisou William P. de Haan.

Uma surpresa e um grave impacto ambiental

Na União Europeia, estima-se que são instalados anualmente entre 1200 a 1400 campos desportivos com relva artificial. Ainda assim, a equipa ficou surpreendida com o facto de encontrarem este material tão disseminado e por este problema ter passado despercebido em estudos semelhantes.

Uma das causas é que essas fibras podem confundir-se com “restos vegetais ou filamentos de pesca”, pelo que os investigadores publicaram também um guia online para ajudar outros cientistas a identificarem restos de relva artificial encontrados no mar, nos rios e em lagos.

Os efeitos destas fibras sobre o ambiente são qualificados como “múltiplos e muito graves”, uma vez que já eram conhecidos muitos outros impactos negativos deste material. “O nosso estudo serviu para determinar que, além de reduzirem a biodiversidade humana, reduzirem a escorrência, sobreaquecerem (até mais 50 ºC que as superfícies naturais) e conterem uma grande quantidade de compostos químicos prejudiciais que lhes dão durabilidade, as superfícies com relva artificial libertam fragmentos de plástico no meio aquático”, sublinhou Anna Sanchez-Vidal, coordenadora do novo estudo.

Ingeridos pelos animais aquáticos, como peixes e moluscos, os restos de relva sintética provocam “o bloqueio das vias intestinais e a diminuição das taxas de crescimento e reprodução, entre outros problemas importantes”, notou a investigadora.

O que se pode fazer?

Além de detectarem o problema, os investigadores chamaram ainda a atenção para as medidas a tomar desde já para lidar com esta situação, nomeadamente ao nível político e de gestão.

“Se se quer acabar com a contaminação de plástico dos oceanos, é necessário actuar a todos os níveis, começando por repensar a instalação destas superfícies de plástico verde em áreas públicas, como pátios de escolas ou campos desportivos, e privadas, como festivais de música, ginásios, jardins e terraços particulares”, salientou Anna Sanchez-Vidal, lembrando que em breve a ONU deverá aprovar um acordo global e vinculativo, para se acabar com a contaminação por plásticos até 2040.

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Investigadores da Universidade do Porto descobrem nova espécie de osga

Por Inês Sequeira

Uma equipa liderada por cientistas do BIOPOLIS-CIBIO encontrou esta nova osga-trepadora no planalto centro-sul da ilha de Madagáscar, em África.

A descoberta da nova espécie de osga foi anunciada esta sexta-feira num estudo publicado pela revista científica ZooKeys, liderado por investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto.

A nova osga agora descrita para a ciência pertence ao género Paroedura. Este réptil foi encontrado “em zonas rochosas rodeadas por pequenas áreas florestais da Reserva de Anja e de Tsaranoro, no planalto centro-sul de Madagáscar”, numa zona que é igualmente “muito conhecida dos escaladores pelas suas enormes cúpulas graníticas”, avança uma nota de imprensa divulgada pelo BIOPOLIS-CIBIO.

Vista dorsal da nova espécie descrita. Foto: Javier Lobón-Rovira

Devido à sua preferência por zonas rochosas, a equipa baptizou esta nova espécie com o nome científico Paroedura manongavato, resultante das palavras malagasy “manonga” (trepar) e “vato” (rocha). Trata-se de uma espécie que é especialista em deslocar-se neste tipo de habitat.

“A descrição desta espécie representa mais um passo no crux (na gíria da escalada, a secção mais difícil de uma via) da resolução taxonómica deste género de osgas, que atinge um total de 25 espécies descritas, todas vivendo exclusivamente em Madagáscar e Comores”, referiu Costanza Piccoli, primeira autora do estudo e estudante de doutoramento do BIOPOLIS-CIBIO.

As análises morfológicas e genéticas realizadas pelos investigadores indicam que a osga Paroedura manongavato só se encontra nas duas manchas florestais isoladas onde já foi detectada, na Reserva de Anja e na Reserva de Tsaranoro. Estes dois locais distam entre si cerca de 25 quilómetros e têm uma “morfologia peculiar” – descreve o CIBIO – “com enormes blocos graníticos junto a falésias rochosas e rodeados de vegetação”.

Habitat da nova espécie na Reserva de Anja. Foto: Javier Lobón-Rovira

Assim, a sobrevivência futura desta osga, considerada uma espécie microendémica por se encontrar apenas numa uma área de distribuição muito estreita, depende da preservação destas pequenas manchas florestais, alertam os investigadores, que propuseram uma avaliação do estatuto de conservação da nova espécie como Criticamente em Perigo. Essa categoria é atribuída pela União Internacional para a Conservação da Natureza a espécies seriamente ameaçadas de extinção.

Vista frontal da nova espécie descrita. Foto: Javier Lobón-Rovira

“Este estudo evidencia a importância da realização de inventários herpetológicos em Madagáscar, de forma a melhorar a nossa compreensão da diversidade das espécies de répteis” na maior ilha de África, sublinha o laboratório de investigação da Universidade do Porto.


Saiba mais.

Recorde porque é importante proteger a biodiversidade única de Madagáscar, como alertaram dois artigos publicados na revista científica Science, no final de 2022.

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Parques eólicos offshore: Estudo alerta para efeitos sobre aves marinhas, em especial na Ericeira e em Viana do Castelo

Por Inês Sequeira

Primeiros resultados de avaliação realizada pelo laboratório de investigação cE3c – Centro de Evolução, Ecologia e Mudanças Ambientais, em parceria com a SPEA, chamam a atenção para necessidade de debate sobre projectos de energias renováveis no mar.

O estudo sobre os impactos da instalação de parques eólicos ‘offshore’ ao largo da costa portuguesa, financiado pela Fundação Oceano Azul, avaliou a sensibilidade de 34 espécies de aves marinhas face aos locais que estão previstos para a instalação das turbinas.

Os resultados indicam que tanto a área proposta da Ericeira como as de Viana do Castelo Norte e Viana do Castelo Sul são as áreas “onde os impactos devem ser considerados e a localização e/ou delimitação destas áreas revista”, sublinha um comunicado conjunto da Fundação Oceano Azul e da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), divulgado esta terça-feira.

As zonas ao largo da Ericeira e de Viana do Castelo fazem parte das cinco áreas da costa continental portuguesa que o Governo já apontou como interessantes para a instalação de turbinas eólicas no mar em larga escala. As restantes ficam ao largo de Leixões, Figueira da Foz e Sines. “O estudo mostra que é fundamental que se debata, analise e estude os potenciais impactos e as zonas preferenciais” para a instalação desta indústria de energias renováveis, apelam as duas entidades.

Parque eólico ‘offshore’ no Reino Unido. Foto: Nicholas Doherty/Unsplash

Ericeira sobrepõe-se a proposta para área marinha protegida

Uma das questões que preocupam tanto a SPEA como a fundação que gere o Oceanário de Lisboa é que a zona proposta para a instalação de turbinas eólicas, no mar da Ericeira, sobrepõe-se à área que já tinha sido estudada numa expedição científica em Outubro do ano passado. Os resultados desse “levantamento de valores naturais” realizado há um ano vão servir de base à proposta para a criação da futura Área Marinha Protegida de Iniciativa Comunitária de Cascais, Mafra e Sintra, “área essa com valores naturais únicos apontados no relatório desta expedição”, com apresentação prevista até ao final de Dezembro.

“No caso particular desta área – acrescentam as duas entidades – a mesma situa-se anexa a duas zonas de protecção especial (ZPEs), e em habitat utilizado como zona de alimentação da população nidificante de cagarras nas ilhas Berlengas.”

Cria de cagarra em ninho na Berlenga. Foto: Leonor Miranda

Este alerta para os efeitos para as aves marinhas e costeiras surge quando estas são “um dos grupos de animais mais ameaçados do mundo devido a impactos humanos como as capturas acidentais por artes de pesca e a poluição“, lembra o comunicado. São igualmente as principais vítimas do aumento da área ocupada por parques eólicos marinhos, “devido às colisões com as pás das turbinas ou ao efeito barreira criado pelos parques eólicos e sobretudo à perda de habitat que necessariamente acontecerá pela exploração de vastas áreas marinhas”.

Emanuel Gonçalves, coordenador científico e administrador da Fundação Oceano Azul, nota que a agenda da descarbonização é “fundamental”, mas também que “é fundamental cumpri-la de uma forma correcta, não cometendo erros que possam levar a problemas numa outra agenda tão ou mais importante, que é a da protecção e recuperação da biodiversidade”.

“É imperativo que este processo seja transparente, claro e ambicioso no que diz respeito ao envolvimento da sociedade no mesmo”,  sublinha por seu lado o presidente-executivo da SPEA, Domingos Leitão, lembrando ainda “é de extrema importância acautelar desde já impactos futuros para as aves marinhas, começando por evitar as zonas identificadas como sendo ecologicamente mais sensíveis”. 

Decisão nos próximos meses

Uma vez que o Governo deverá anunciar a curto prazo quais vão ser as áreas a licenciar, as duas entidades alertam também para a necessidade de se recorrer à “melhor informação técnico-científica” para a tomada de uma decisão.

No entanto, “Portugal não tem ainda um mapa claro das áreas prioritárias para a conservação marinha, que é fundamental para atingir os objectivos a que o país se propôs na agenda da biodiversidade, na convenção da diversidade biológica ou na protecção de 30% do seu mar até 2030”, alerta o comunicado conjunto.

Sendo assim, “os mapas de sensibilidade apresentados agora pela SPEA são uma valiosa ferramenta para sustentar a decisão final e devem ser tidos em conta pelos decisores”, sustentam.

Em breve, está previsto que a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos apresente um plano de afectação, incluindo uma proposta final de áreas para a instalação de parques eólicos ‘offshore’, além do relatório da avaliação ambiental estratégica realizada. O plano de afectação será alvo de consulta pública.

“Existe a ambição política de que o leilão das áreas definidas avance antes do final de 2023 e é fundamental que haja mobilização de conhecimento técnico-científico antes do avanço do projeto”, alertam a SPEA e a Fundação Oceano Azul.

 

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Descoberta uma nova espécie de pangolim na China

Por Inês Sequeira

Uma equipa de cientistas revelou agora que encontrou a nona espécie deste misterioso mamífero, e a quinta na Ásia, baptizando-a como Manis mysteria.

A nova espécie foi encontrada a partir dos dados genómicos extraídos de escamas de pangolins que tinham sido vítimas de comércio ilegal, confiscados em Hong Kong, explica um artigo publicado na revista científica PNAS – Proceedings of the National Academy of Sciences.

As escamas de pangolim são muito procuradas na medicina tradicional chinesa, e também a carne destes animais é muito cobiçada. Muitos investigadores consideram que este animal tímido e nocturno é o mamífero mais traficado em todo o mundo, embora em 2020 tenham surgido alguns sinais de esperança.

Foi já há alguns anos que surgiram os primeiros sinais de que a família dos pangolins poderia ser mais vasta do que as quatro espécies africanas e as quatro espécies asiáticas, todas elas classificadas na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, incluindo três que estão Criticamente em Perigo. Foi quando investigadores analisaram 27 escamas deste animal confiscadas em Hong Kong, em 2012 e 2013, que apontavam para uma nova espécie. Todavia, com base nos fragmentos genéticos que na altura estavam disponíveis, foi impossível chegarem a uma conclusão definitiva.

Um pangolim-chinês (Manis pentadactyla), em Taiwan. Foto: Licheng Shih

Mais recentemente, foram analisadas escamas que tinham sido confiscadas na província chinesa de Yunnan em 2015 e em 2019, sendo depois comparadas com toda a informação genética disponível das oito espécies já conhecidas.

Os resultados agora publicados indicam que se trata de um pangolim asiático (género Manis) distinto dos restantes, “que se separou do pangolim das Filipinas e do pangolim da Malásia há mais de cinco milhões de anos”, indica o artigo que tem como primeiro autor um investigador da Universidade de Yunnan, Tong-Tong Gu. Da equipa de 11 co-autores, faz também parte um cientista ligado ao CIIMAR – Centro Interdiscplinar de Investigação Marinha e Ambiental, da Universidade do Porto, Philippe Gaubert.

As análises feitas pela equipa mostram que a nova espécie está actualmente sob pressão, pois foram encontradas “assinaturas genómicas de uma população em declínio, incluindo uma diversidade genética relativamente baixa quando comparada com outros pangolins”, apontando ainda para “altos níveis de consaguinidade”.

No entanto, segundo os cientistas, até hoje ninguém sabe ainda muito bem por onde andam estes pangolins da espécie Manis mysteria, cujo sugestivo nome remete para o seu carácter misterioso. Pode ser que sejam confundidos com outras espécies, uma vez que fisicamente são semelhantes, ou que estejam confinados a uma região mais remota. A equipa sublinha que há uma “necessidade urgente” de mais pesquisa.

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Ao longo de dois anos, este projecto ajudou as aves das salinas do Algarve

Por Inês Sequeira

O projecto Bio-ilhas trabalhou para melhorar os habitats de espécies como a perdiz-do-mar, a chilreta, o alfaiate e o borrelho-de-coleira-interrompida.

Nascido em 2021, o projecto  Bio-Ilhas – Requalificação de Salinas e Áreas Lagunares de Sapal (Olhão e Faro) resultou de uma parceria entre a associação Vita Nativa – Conservação do Ambiente e a associação Viridia – Conservation in Action.

O objectivo foi contrariar a tendência de degradação das salinas e dos sapais que pontuam o litoral entre Olhão e Faro, uma vez que muitas aves dependem destes locais para aí se reproduzirem, construindo os ninhos no chão. “A deterioração destes habitats e a perturbação das colónias comprometem a nidificação e a sobrevivência destas espécies”, afirma uma nota de imprensa da Vita Nativa com o balanço do projecto, terminado em Julho passado.

Assim, a equipa meteu mãos ao trabalho para “requalificar as áreas degradas de sapal”, considerado uma “zona de grande importância para alimentação de aves limícolas invernantes e de nidificação para a perdiz-do-mar (Glareola pratincola)”.

Perdizes-do-mar (Glareola pratincola). Foto: Projecto Bio-ilhas

Outra das acções do Bio-ilhas traduziu-se na instalação de “ilhas artificais em tanques de ETARs e de salinas que permitem a nidificação de aves aquáticas, como a chilreta (Sternula albifrons), o alfaiate (Recurvirostra avosetta) e o borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus)”. A equipa acredita que os benefícios desses trabalhos se estendem também a outras espécies aquáticas.

Contas feitas, foram instaladas 10 bio-ilhas nas áreas salineiras entre Olhão e Faro e também nas lagoas das ETARs desta faixa do litoral. O acesso aos cômoros (montículos) nas salinas passou a ser limitado e foram também erigidas estruturas anti-predação. Já na ETAR de Faro-Olhão, foi regenerada a área de sapal.

No total, indica a Vita Nativa, “durante o projetco Bio-Ilhas foi intervencionada uma área de 10.256 metros quadrados, com 10.000 metros quadrados de sapal regenerado e 256 metros quadrados de ilhas e cômoros”.

Mais de uma centena de ninhos

Ao longo dos 26 meses do Bio-ilhas, nas visitas semanais às áreas do projecto, a equipa contabilizou 380.000 observações de 88 espécies de aves diferentes.

Confirmou-se também a nidificação das espécies-alvo. Tanto as chilretas como os alfaiates e os borrelhos-de-coleira-interrompida construíram os seus ninhos nas ilhas, cômoros e zonas de acesso limitado, “com 109 ninhos a serem registados nestas áreas durante a época de nidificação de 2022 e de 2023.” Quanto às perdizes-do-mar, em 2023, e depois da remoção do entulho, “15 casais” fizeram ninho na área de sapal regenerado. 

Chilreta (Sternula albifrons) no ninho. Foto: Projecto Bio-ilhas

As acções realizadas incluíram ainda visitas de escolas às salinas, a produção de material de divulgação e várias sessões de anilhagem científica, durante as quais foram marcadas 465 aves diferentes, de 21 espécies.

“Os dados recolhidos demonstraram que as acções do projecto não só criaram zonas de nidificação de elevado sucesso reprodutivo, como ainda criaram condições de ocupação e repouso nas áreas contíguas às zonas intervencionadas”, sublinha a equipa, que não pretende ficar por aqui. O objectivo é em breve “ampliar a zona de ação, multiplicando e prolongando assim os resultados já alcançados.”

Cria de chilreta (Sternula albifrons). Foto: Projecto Bio-ilhas

O Bio-ilhas contou com financiamento da associação Viridia e também com a parceria do ICNF – Direção Regional da Conservação da Natureza e das Florestas do Algarve, das Águas do Algarve, da Necton – Companhia Portuguesa de Culturas Marinhas, e das Salinas do Grelha – Segredos da Ria. 

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Pode a grande migração de atuns voltar a Portugal?

Por Daniel Veríssimo

Daniel Veríssimo, um economista fascinado pela natureza, fala-nos deste peixe majestoso e grande viajante do Atlântico, que necessita de espaço e tempo para aumentar os seus números e regressar a uma situação mais segura.

Atuns, peixes mais conhecidos pelos enlatados, cozinhados e sushi do que pelo seu papel no ecossistema marinho. Existem nos oceanos do mundo oito espécies de atuns, do Oceano Índico ao Pacífico, passando pelo Atlântico, estando apenas ausentes das águas frias dos Polos.

Nos mares e costas de Portugal existem cinco espécies de atuns, mas existe um atum, o atum-rabilho (Thunnus thynnus), o rei dos atuns, com uma presença sazonal, que realiza uma impressionante migração entre o Oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo, a este, e entre o Atlântico e o mar das Caraíbas, a oeste. O atum-rabilho é uma maravilha da evolução, um peixe perto do topo da cadeia alimentar, moldado em forma de torpedo, que pode pesar várias centenas de quilos e medir até três metros.

Os atuns-rabilho fazem parte das lendas dos Gregos, das crónicas dos Romanos e dos contos árabes. No Algarve, diz o conhecimento popular, era possível ver passar a migração de atuns desde as praias.
Antes, para pescar os atuns, eram construídas grandes estruturas com redes e boias chamadas almadravas, grandes armações que eram usadas para pescar esses peixes desde a costa.

Com o tempo, o atum-rabilho sofreu um declínio estável e continuado, que começou há alguns milhares de anos com as primeiras embarcações de pesca e terminou com o colapso das populações (stocks) nos anos 60 do século XX em águas europeias.

A pesca local e costeira, apesar de ter algum impacto nas populações, não era suficiente para as afetar de forma irrecuperável ou para extinguir espécies, mas com o desenvolvimento das fábricas de conservas e a crescente industrialização, o impacto passou de local e costeiro para incluir também o mar alto e ser feito a uma escala global. A consequência foi um colapso das populações de atum-rabilho e de outras espécies do mesmo grupo.

Hoje, o atum-rabilho regressou à costa portuguesa, ao Reino Unido, ao Báltico e à costa sul de França, mas as populações ainda não estão totalmente recuperadas. Este peixe continua extinto no Mar Negro e o tamanho das populações do passado continua esquecido, e por isso é difícil imaginar o potencial tamanho das populações futuras. Um claro caso da síndrome de amnésia ambiental, em que o estado deteriorado do presente é tido pelas gerações atuais como normal, por não conhecerem outra realidade, quando na verdade é um estado degradado, uma sombra do tamanho anterior.

Para se recuperarem a diversidade e a abundância da vida marinha, a melhoria das práticas da pesca é uma ferramenta-chave: pescar em menos quantidade (a quantidade de peixes que se tira dos oceanos é demasiada), em menos áreas (é importante ter zonas sem pesca para preservar stocks) e com menos impacto (parar de usar artes de pesca de arrasto, prevenir o abandono de redes e minimizar as capturas acidentais). Isso não significa uma redução de rendimentos ou de postos de trabalho, mas sim uma atividade económica estável, viável e sustentável, que cria riqueza de uma maneira segura ao longo do tempo.

Portugal é um dos maiores consumidores de peixe per capita do mundo, sendo a principal razão a riqueza histórica de vida nas águas marinhas portuguesas. O país está localizado no único lugar da Europa que tem um afloramento costeiro – áreas bastante produtivas onde as águas frias ricas em nutrientes vem à superfície, o que origina uma explosão de vida.

É preciso dar espaço e tempo à natureza. Espaço através de áreas protegidas formais, criadas e geridas pela Estado e/ou informais, mantidas e organizadas por populações locais e pescadores, para
assegurar rotas seguras para o atum-rabilho migrar. Tempo, por meio de uns bons anos para a migração de atuns recuperar todo o seu esplendor e grandeza.

As zonas costeiras de Portugal já foram lugares mágicos, a fervilhar de vida, com esturjões a subir os rios, colónias de focas-monge nas praias, tartarugas-marinhas a nidificar na areia, com habitats ricos
em recifes de ostras, pradarias marinhas e florestas de laminárias (kelp), com águias-rabalva nos céus e até com populações residentes de baleias e golfinhos. As zonas costeiras de Portugal já foram
lugares mágicos e podem voltar a ser.

Descobrir o maravilhoso mundo azul, entre a areia da praia e o fundo do oceano, através de um safari de atuns num barco à vela, compreendendo todas as ligações e interligações na teia dos ecossistemas marinhos. Ser deslumbrado pela vida marinha, ver atuns em migração, cardumes de sardinhas e grandes grupos de golfinhos. E no fim, com o sol a refletir nas ondas do mar, ver um atum saltar
como um torpedo fora de água.

A grande migração de atuns pode voltar a Portugal.

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Sete perguntas e respostas sobre cavalos-marinhos em Portugal (e no mundo)

Por Inês Sequeira

Com a ajuda das respostas de Miguel Correia, biólogo marinho perito em cavalos-marinhos actualmente ligado à University of British Columbia, no Canadá, fique a conhecer melhor este grupo de peixes tão diferentes.

WILDER: Quais são as principais características que distinguem os cavalos-marinhos dos outros peixes?

Miguel Correia: os cavalos-marinhos são peixes carismáticos devido ao seu aspecto invulgar, pois parecem reunir um conjunto de características que se encontram noutras espécies completamente diferentes: o formato da sua cabeça (semelhante à do cavalo), uma cauda preênsil (macaco), uma bolsa ou marsúpio (canguru) e o movimento ocular independente (camaleão). Em vez de escamas, são cobertos por uma fina pele que se estende à volta das estruturas ósseas e que dão forma ao corpo destes peixes. 

Algumas espécies de cavalos-marinhos apresentam ainda espinhos, protuberâncias ósseas ou filamentos cutâneos, que se estendem na extremidade das estruturas ósseas que lhes dão forma. Na cabeça, essas estruturas formam tipicamente uma coroa, cuja forma pode variar de espécie para espécie. 

Todos os machos de cavalo-marinho se distinguem das fêmeas pela presença de uma bolsa, uma vez que são eles que carregam os ovos já fecundados.

Outra característica curiosa de todos estes peixes – sejam machos ou fêmeas – é que são desprovidos de dentes e têm um sistema digestivo simples, sem um verdadeiro estômago, alimentando-se de pequenos crustáceos e de outras espécies por meio de sucção, através do focinho.

Cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) grávido, no estuário do Tejo. Foto: Sylvie Dias

W: Onde é que são conhecidas populações de cavalos-marinhos nas águas portuguesas?

Miguel Correia: Actualmente, as populações de cavalos-marinhos mais estudadas são as que se encontram na Ria Formosa, no Algarve. Mas existem dados, ainda que escassos, de avistamentos de cavalos-marinhos noutras zonas costeiras de Portugal, tais como nos estuários do Sado, do Tejo, do Arade, do Mira e do Mondego, entre outros locais. 

W: O que se sabe actualmente sobre estes núcleos populacionais e o que falta saber ainda? 

Miguel Correia: Ainda há muito por saber acerca das populações de cavalos-marinhos nas zonas costeiras de Portugal. Embora se conheça que só existem duas espécies de cavalos-marinhos que ocorrem em Portugal continental – o cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) e o cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus) – ainda existe falta de conhecimento sobre aspectos da biologia, ecologia e comportamento das mesmas. 

A Ria Formosa é, sem dúvida, a zona portuguesa onde foram realizados mais estudos no sentido de melhor conhecer as populações de cavalos-marinhos locais. Estes estudos remontam ao início do século, quando uma investigadora canadiana do Project Seahorse desenvolveu o seu doutoramento a estudar essas espécies no local. Foi nessa altura, em 2001, que foi registada a maior densidade populacional das duas espécies de cavalos-marinhos europeus: o cavalo-marinho-de-focinho-comprido e o cavalo-marinho-comum.

No sentido de colmatar essa lacuna, em parceria com a Associação Natureza Portugal (ANP)/WWF, desenvolvemos esforços para fazer um primeiro levantamento das zonas de potencial interesse para estudo das populações de cavalos-marinhos ao longo da costa portuguesa, através do projecto “Cavalos-marinhos desconhecidos”. Este projecto de ciência cidadã pretende não só aumentar o conhecimento acerca dos cavalos-marinhos ao longo da costa portuguesa, como capacitar escolas de mergulho para a recolha de informações, através de censos visuais. 

Mais recentemente foi lançado o projeto EUROSYNG, financiado pela União Europeia, para aprofundar o conhecimento dos singnatídeos (cavalos-marinhos e marinhas) não só em Portugal, como também noutros países europeus, desde a Noruega no Atlântico Norte até à Itália e Grécia à mais a sul, no Mar Mediterrâneo. 

E de um ponto de vista local, o Projeto CavALMar, financiado pela Câmara Municipal de Almada, irá dar um importante contributo para melhor conhecermos as populações de cavalos-marinhos do Tejo. Será um levantamento populacional que irá abrir portas para estudos futuros, de modo a que melhor se compreendam as necessidades destas espécies emblemáticas, bem como a identificação de ameaças e a recomendação de acções de mitigação no sentido da conservação destas espécies, promovendo ao mesmo tempo a preservação da biodiversidade local.

Cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus). Foto: Sylvie Dias

W: Quais são os principais problemas que ameaçam estes peixes?

Miguel Correia: Os cavalos-marinhos habitam sobretudo zonas costeiras interiores, que são tipicamente impactadas por atividades humanas. Ao longo dos nossos estudos, identificámos algumas ameaças mais importantes, que têm um impacto negativo nas comunidades de cavalos-marinhos locais. 

Este estudo foi realizado, sobretudo, como parte do meu doutoramento na Universidade do Algarve. Nessa altura tinha sido identificado um decréscimo acentuado das populações de cavalos-marinhos na Ria Formosa. O meu estudo focou-se em tentar determinar as causas desse mesmo decréscimo, desenvolver acções de mitigação, bem como um conjunto de recomendações no sentido da conservação destas espécies. As principais ameaças encontradas foram a perda de habitat e a pesca acessória. 

No entanto, em 2016 foram registados os primeiros relatos de apanha ilegal de cavalos-marinhos para o mercado da medicina tradicional chinesa. Esta ameaça é, de facto, transversal à maioria das espécies de cavalos-marinhos e sem dúvida a mais impactante, sendo responsável pela apanha anual de um valor estimado de 70 milhões de cavalos-marinhos, todos os anos. A apanha de cavalos-marinhos para o mercado da medicina tradicional chinesa está intimamente ligada à pesca de arrasto, uma pesca não-selectiva e que causa destruição no fundo marinho. Esta arte de pesca remove indescriminadamente tudo por onde passa, incluindo vastas porções de habitat essenciais não só para os cavalos-marinhos, mas também para muitas outras espécies.

Além destas ameaças, convém referir a poluição química e sonora e também, com maior prevalência nos últimos anos, o efeito das alterações climáticas que causam variações acentuadas das temperaturas da água, o que potencia o surgimento de espécies invasoras.

W: Quais são as principais medidas para se melhorar a situação dos cavalos-marinhos?

Miguel Correia: Existem várias medidas que já foram implementadas. Desde logo, a inclusão de todas as espécies deste grupo no anexo II da Convenção Internacional do Comércio de Espécies Protegidas (CITES) permitiu que se tentasse regular o comércio de cavalos-marinhos, quer para a medicina tradicional chinesa quer para o mercado da aquariofilia, além dos ‘souvenirs’. Por outro lado, a inclusão desses peixes na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza permitiu o estabelecimento de uma métrica quanto ao perigo de extinção de cada espécie, alertando os decisores políticos, nalguns casos, para a urgência da implementação de medidas de conservação.

Na Europa, os cavalos-marinhos estão abrangidos nas convenções de Berna e Bona. Alguns países, como Portugal, já implementaram legislação específica que lhes atribui o estatuto de espécie protegida (Decreto-Lei nº38/2021). Isto para além da implementação de áreas de protecção para estes peixes, tais como aquelas que foram delimitadas na Ria Formosa, o principal ‘handicap’ é a fiscalização. De facto, sem esta não se consegue assegurar que a legislação em vigor tenha real impacto na conservação das populações de cavalos-marinhos no país.

W: Os cavalos-marinhos conseguem adaptar-se a viver em ambientes com lixo? 

Miguel Correia: O impacto das atividades humanas nas zonas costeiras onde habitam cavalos-marinhos tem sido responsável por alterações em alguns aspectos da ecologia e comportamento destas espécies. Algumas tiveram de se adaptar a ambientes mais impactados pelas atividades humanas, como poluição pelo lixo marinho. Muito deste é composto por elementos provenientes dessas mesmas actividades, incluindo, mas não só, a pesca lúdica e profissional. 

Cavalo-marinho no estuário do Tejo, no meio do lixo. Foto: Sylvie Dias

A baía da Trafaria é um desses exemplos. A comunidade de cavalos-marinhos residente no porto de abrigo da Trafaria encontra neste local, embora altamente impactado pelo lixo marinho, um sítio abrigado e com estruturas de fixação, onde podem fazer face às correntes marinhas. Mesmo que seja artificial, qualquer estrutura de fixação é importante para estas espécies, já que possuem locomoção limitada quando os comparamos com outros peixes. A sua morfologia única, tal como a modificação da barbatana caudal para uma cauda preênsil, fazem com que estes peixes se desloquem na vertical, dependendo das duas barbatanas peitorais e dorsais para se locomoverem.

Em situações de perda de habitat, como foi identificado na Ria Formosa aquando do meu doutoramento, podem ser consideradas acções de mitigação, como a implementação de estruturas artificiais temporárias. Estas estruturas, já usadas com sucesso na Ria Formosa (mais informação aqui e aqui), permitem a colonização e o estabelecimento de populações de cavalos-marinhos em zonas degradadas. 

Este tipo de ações de mitigação já foram usadas para o mesmo fim noutros países tais como a Grécia e a Austrália. No entanto, não pretendem substituir-se ao habitat natural, que deve ser de todas as formas possíveis reabilitado, permitindo assim contribuir para o aumento da biodiversidade local.

W: Porque devemos investir recursos no conhecimento e na conservação destes peixes?

Miguel Correia: Devido ao seu sedentarismo e vida bentónica (no fundo marinho), os cavalos-marinhos são espécies indicadoras por excelência. A monitorização continuada destas espécies permitirá fazer uma avaliação geral do estado atual da biodiversidade local. Eventuais flutuações no tamanho das populações, como já foi registado para a Ria Formosa, poderão indiciar factores de pressão que estão igualmente a ter impactos noutras espécies. Por outro lado, os cavalos-marinhos são espécies bandeira que conseguem atrair a atenção junto das comunidades locais, sendo veículos importantes em acções de sensibilização e promotores de acções de conservação. 

Assim, todas as acções que sejam implementadas no sentido de preservar o habitat e assegurar a sobrevivência destes peixes irão beneficiar muitas outras espécies que não partilham do seu carisma, assegurando que as gerações futuras possam desfrutar dos valores naturais tão importantes que Portugal tem para oferecer.

O conteúdo Sete perguntas e respostas sobre cavalos-marinhos em Portugal (e no mundo) também está disponível em Wilder.

Portugal escondido: os cavalos-marinhos que vivem frente à Trafaria, Almada

Por Inês Sequeira

Investigadores do projecto CavALMar mergulharam no Tejo para saber quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos do concelho de Almada, da Cova do Vapor à Base Naval do Alfeite. A Wilder acompanhou uma das saídas de campo e conta-lhe o que viram.

Nesta manhã de Junho, a ventania na zona da Trafaria, na margem Sul do rio Tejo, faz voar a areia em grandes rajadas. Mas no fundo do rio, os sedimentos estão suficientemente calmos para permitir um mergulho.

De pé junto à margem do rio, o grupo prepara-se. Mário Rolim, responsável pela segurança e pela manutenção dos equipamentos, Sylvie Dias, que está a fazer filmagens do projecto e duas investigadoras do MARE-ISPA – Noelia Rios e Friederike Peiffer – vestem rapidamente os fatos e colocam às costas as garrafas de ar comprimido. Pouco passa das 11h00 e os quatro desaparecem entre as ondas. 

Estes investigadores do projecto CavALMar estão a tentar saber quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos do concelho de Almada, da Cova do Vapor à Base Naval do Alfeite.

Um cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus), junto à frente ribeirinha do município de Almada. Foto: Sylvie Dias

Os cavalos-marinhos pertencem à família dos singnatídeos. Em Portugal ocorrem duas espécies, o cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) e o cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus).

Segundo Miguel Correia, investigador ligado ao CavALMar e perito em singnatídeos, há cavalos-marinhos na Ria Formosa, onde está a população que tem sido mais estudada, mas também no estuário do Tejo e nos estuários do Sado, Arade, Mira, Mondego, entre outros.

Para quem vive na costa do concelho de Almada, a existência de cavalos-marinhos nas águas do Tejo não é novidade. Numa tese de mestrado concluída em Junho, Joana Macedo de Oliveira, investigadora no MARE-ISPA, ouviu muitos pescadores a recordarem a tradição associada a estes peixes, apanhados por acidente em redes de pesca, como talismãs. Depois de secos, havia – haverá ainda? – quem os usasse no chapéu ou os guardasse para atrair boa sorte e prosperidade.

Mas apesar de a existência de cavalos-marinhos ali na zona ser já conhecida, a importância destas populações é algo novo para a comunidade científica.

Foi em 2019 que Gonçalo Silva, biólogo marinho da unidade regional de investigação do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente no ISPA/Lisboa, encontrou pela primeira vez vários cavalos-marinhos quando mergulhou no estuário à sua procura, em frente à Trafaria, desafiado por um amigo que ali vive e se dedica ao mergulho profissional, Mário Rolim. “Após o primeiro mergulho que fiz, disse: ‘Temos de fazer alguma coisa aqui, porque não é normal num mergulho de 40 a 45 minutos vermos 10, 12, 15 cavalos-marinhos’”, recorda o biólogo marinho.

Um mergulho de exploração em busca de cavalos-marinhos. Foto: Sylvie Dias

Depois de vários contactos com a Câmara Municipal de Almada, em 2022 foi assinado um protocolo para o projecto CavALMar. Esta parceria entre o MARE-ISPA e a autarquia, que financia os trabalhos de investigação, foi lançada com o objectivo de se saber quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos do concelho.

Assim, entre Setembro passado e este último mês de Julho, uma equipa de investigadores fez mergulhos de exploração em 13 pontos diferentes da frente ribeirinha norte do concelho, da Cova do Vapor ao Alfeite, quando as condições do rio o permitiam e quando tinham licença das autoridades. É que durante uma boa parte do ano as águas do Tejo ficam de tal forma turvas – basta chover e levantarem-se os sedimentos do rio – que os investigadores deixavam de ter condições para encontrar estas pequenas criaturas.

Cavalos-marinhos vivem no meio do lixo

Na baía da Trafaria, os cavalos-marinhos adaptaram-se ao ambiente local. A qualidade das águas do rio melhorou muito nos últimos anos graças à instalação de estações de tratamento, mas continua a haver muito lixo: pedaços de redes de pesca, linhas e canas e anzóis, bocados de armadilhas destinadas a polvos – ou não fosse esta uma terra de pescadores – mas também muitas garrafas de plástico. E até objectos muito maiores, que ninguém adivinharia que por ali andam. 

Nos seus mergulhos na Trafaria, Gonçalo Silva já encontrou carrinhos de supermercado completamente submergidos. Num sinal dos tempos, deparou-se com cavalos-marinhos que se agarravam com as caudas enroladas à volta dos ferros destas estruturas, como se substituíssem as ervas das pradarias marinhas que lhes servem de abrigo no habitat natural. “Isto não é necessariamente bom”, ressalva o biólogo marinho.

Um carrinho de supermercado, escondido pelas águas do estuário do Tejo. Foto: Sylvie Dias

Tanto aqui no Tejo como um pouco por todo o mundo, os peixes singnatídeos (cavalos-marinhos e marinhas, entre outros) estão ameaçados, pois vivem em locais muito afectados pelas actividades humanas.

“Estes peixes têm uma relação muito particular com o fundo. Devido às suas características não são muito móveis e por isso a ameaça é ainda maior”, descreve Gonçalo Silva, que adianta que “a destruição e fragmentação dos habitats, sobretudo dos habitats costeiros e estuários pouco profundos onde estes singnatídeos vivem, faz com que fiquem ameaçados”.

No estuário do Tejo, além de serem apanhados acidentalmente nas redes de pesca, tanto os cavalos-marinhos como muitas outras espécies que ali vivem são também vítimas das ganchorras – um equipamento que arrasta tudo aquilo por onde passa, no fundo do estuário, usado para a apanha de amêijoa.

“Existem cerca de 30 licenças atribuídas desde a Trafaria ao Bugio [concelho de Cascais], mas muitas pessoas operam sem licença”, critica Gonçalo Silva, que alerta para os fortes impactos que estas pequenas dragas têm para a vida do rio. A falta de cumprimento das regras e de uma fiscalização mais eficaz é, aliás, um problema reconhecido pela comunidade local, em resposta aos cerca de 100 inquéritos realizados por Joana Macedo de Oliveira na sua tese de mestrado. 

À procura, mesmo ao lado do terminal dos cacilheiros

Durante um par de horas, a equipa irá nadar em busca de cavalos-marinhos nas águas junto ao Forte de Nossa Senhora da Saúde, alguns metros à direita do terminal de cacilheiros da Trafaria.

Cá fora, Gonçalo Silva, que não mergulhou devido a uma lesão recente, enumera o que as investigadoras têm feito noutras ocasiões, e que terão de repetir se encontrarem um destes peixes: “Quando isso acontece, têm de agarrar no cavalo-marinho, medi-lo, fotografá-lo e retirar uma amostra de tecido para se analisar o ADN.”

Medição de um cavalo-marinho. Foto: Sylvie Dias

Enquanto esperamos, vamos observando o lixo espalhado naquele lado da enseada, à beira do rio. Algumas placas e inúmeras esferas minúsculas feitas de esferovite convivem com destroços de madeira e com garrafas, copos e tampas de plástico, fios de nylon e conchas de choco, entre outros vestígios da forte actividade humana que ali se faz sentir.

Entretanto, já são quase 13h00 e finalmente os quatro mergulhadores saem do rio. Desta vez tiveram pouca sorte e não encontraram cavalos-marinhos, apenas uma marinha da espécie Syngnathus acus e uma rede fantasma, como se chama às redes de pesca que ficam abandonadas debaixo de água.

Mas ainda restam outros locais para explorar, como a zona junto ao porto de abrigo onde, apesar de existir também muita poluição, há relatos de várias observações. Ali, a existência de muitos cabos de amarração destinados aos barcos de pesca é também propícia a estes peixes, que os aproveitam para se agarrarem com as caudas. 

Quinze cavalos-marinhos

Passadas poucas semanas e concluídos todos os mergulhos do trabalho de campo, a equipa de investigadores tinha contabilizado um total de 15 cavalos-marinhos na baía da Trafaria – isto sem contar com os 20 que tinham sido resgatados da mesma zona em Março de 2022, quando ali se deu a queda de um pontão, e que estão à guarda do Oceanário de Lisboa.

“A comunidade de cavalos-marinhos residente no porto de abrigo da Trafaria encontra neste local, embora altamente impactado pelo lixo marinho, um sítio abrigado e com estruturas de fixação, onde podem fazer face às correntes marinhas”, indica Miguel Correia, que actualmente está a trabalhar na University of British Columbia, no Canadá.

Cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) no estuário do Tejo, no meio do lixo. Foto: Sylvie Dias

“Mesmo que seja artificial, qualquer estrutura de fixação é importante para estas espécies, já que possuem locomoção limitada quando os comparamos com outros peixes.”

Os resultados saídos do trabalho de campo mostram também que foram observados singnatídeos em nove dos 13 locais do projecto CavALMar, adianta por sua vez Gonçalo Silva. 

Além dos vários locais onde detectaram cavalos-marinhos, na costa ribeirinha do concelho de Almada, e da forma como estes se foram adaptando ao ambiente pouco natural que os rodeia, outra descoberta que surpreendeu os investigadores foi o tamanho desses peixes face aos que foram estudados em toda a sua área de distribuição. Numa tese de mestrado desenvolvida por Kara McKee, em que esta comparou centenas de fotografias captadas de cavalos-marinhos, a investigadora explica que essas características se fazem notar em especial na população da Trafaria, faltando ainda perceber quais serão os motivos.

Para o futuro, a equipa de investigadores tem esperança de poder avançar com o restauro das pradarias marinhas desta zona de transição entre o rio e o Atlântico, que serve de abrigo aos cavalos-marinhos e a tantas outras espécies. Mas isto só será possível, acredita o investigador do MARE-ISPA, se conseguirem envolver os habitantes e as empresas locais nos objectivos de conservarem a biodiversidade desta área ribeirinha e se se reforçar a fiscalização. Este poderá ser o passo que se segue na recuperação da natureza no estuário do Tejo.

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ICNF interdita observação de golfinhos na entrada do estuário do Sado

Por Inês Sequeira

A medida destina-se a proteger a população local de golfinhos roazes e aplica-se a partir deste sábado, até ao final de Agosto, anunciou o instituto que tutela a conservação da natureza.

Desta forma, até ao próximo dia 30 de Agosto, “não é permitida a observação de cetáceos – nomeadamente de golfinhos – e a permanência de embarcações marítimo-turísticas e recreativas na entrada do estuário do Sado”, sendo possível apenas a circulação ou a passagem de embarcações no local.

A informação foi divulgada esta sexta-feira numa nota de imprensa do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), responsável pela decisão sobre este medida de exclusão, divulgada também em edital.

Esta nova medida, de carácter “experimental”, inclui-se entre várias propostas de acções a aplicar a curto prazo. Foi tomada com base nas conclusões e nas propostas de um estudo de reavaliação da capacidade de carga de observação de cetáceos no Estuário do Sado e na zona marinha adjacente, explica o instituto.

Para esta decisão, foi tomada também em consideração a “fragilidade” da população local de golfinhos. Em causa está o “número reduzido” de indivíduos e a “probabilidade de não ocorrer um aumento populacional até ao final de 2030”, acrescenta a nota de imprensa.

A população residente de golfinhos roazes (Tursiops truncatus) do estuário do Sado conta atualmente com cerca de 25 indivíduos, muitos dos quais com idade superior a 40 anos, adianta o instituto.

“Após a tendência de declínio observada na década de 90, seguiu-se um ligeiro incremento com a sobrevivência das crias nascidas a partir de 2010. Continuam, no entanto, a existir factores de risco que podem dificultar a capacidade de recuperação da população e a tornam especialmente vulnerável a perturbações causadas pelas atividades humanas.”

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Um lago canadiano guarda a chave para o início do Antropoceno, uma nova época geológica

Por Alexandro Cearreta / The Conversation

Alejandro Cearreta, professor catedrático de Paleontologia na Universidade do País Basco, explica-nos a importante mudança que se faz sentir no tempo geológico e o que estão os cientistas a fazer a esse respeito. É o adeus ao Holoceno.

Vivemos realmente no Antropoceno, o tempo geológico marcado pelo impacto global da actividade humana? E se assim for, quando começou e que lugar da Terra reflecte melhor o começo desta nova época?

A estas perguntas procura responder o Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno, estabelecido em 2009 pela Subcomissão de Estratigrafia do Quaternário, com o fim de propor a definição deste conceito e estimar o seu potencial como uma possível unidade de tempo geológico.

Actualmente, o Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno está a finalizar a sua tarefa depois de ter eleito o lago Crawford (no Canadá) como o lugar que contém o registo sedimentar de referência para definir o início do Antropoceno, como foi anunciado esta terça-feira, 11 de Julho. Mas o que tem de especial este sítio para ser proclamado como uma espécie de linha divisória entre épocas geológicas distintas?

A pegada da Grande Aceleração

Desde a sua formação, o Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno tem avaliado vários tipos de evidências físicas, químicas e biológicas preservadas em sedimentos e rochas, publicando numerosos trabalhos científicos que têm explorado a sua natureza e relevância.

Estes estudos concluíram que o Antropoceno é de facto significativo à escala geológica devido à rapidez e magnitude dos impactos humanos recentes sobre os processos que se operam na superfície da Terra. Muitos destes impactos têm gerado mudanças irreversíveis que superam a pequena faixa de variabilidade natural do Holoceno, que começou há 11.700 anos.

Nos estratos geológicos, o Grupo de Trabalho do Antropoceno identificou um conjunto importante de indicadores que coincidem com a denominada “Grande Aceleração” de meados do século XX, impulsionada por um aumento sem precedentes na população humana, no consumo de energia, na industrialização e globalização que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial. Entre esses indicadores, destacam-se os seguintes:

  • Radioisótopos das experiências com armas termonucleares na atmosfera (como o plutónio).
  • Partículas carbonáceas (ou seja, ricas em carbono) originadas pela queima de combustíveis fósseis a elevadas temperaturas.
  • Microplásticos.
  • Mudança na biodiversidade, incluindo a extinção, o movimento de espécies para fora da sua área natural de distribuição e a grande expansão de organismos domésticos.

O que é um “prego dourado”?

Ao longo dos anos, o Grupo de Trabalho do Antropoceno tem vindo a concordar em grande parte que o Antropoceno é geologicamente real e que deve formalizar-se como uma unidade independente dentro da escala internacional do tempo geológico.

O seu início estaria localizado em meados do século XX, nos anos 1950, de acordo com os sinais simultâneos e globais registados nos sedimentos desde então.

Além disso, estabeleceu que é necessário determinar o seu lugar de referência mediante um limite material e temporal chamado estratotipo global (GSSP) ou, coloquialmente, “prego dourado”. Este é o método mais aceite para formalizar unidades geológicas durante os últimos 540 milhões de anos.

Critérios de selecção

Desde 2019, desenvolveu-se um projecto colaborativo entre o Grupo de Trabalho do Antropoceno e numerosos laboratórios de investigação no âmbito de uma iniciativa internacional denominada Anthropocene Curriculum, promovida pela Haus der Kulturen der Welt e pelo Instituto Max Planck para a História da Ciência, ambos na Alemanha.

Foram recebidas inicialmente doze propostas detalhadas de diferentes secções geológicas que poderiam albergar este GSSP, localizadas em cinco continentes e situadas em oito ambientes geológicos distintos. Todas elas tinham sido publicadas em 2023 num número especial temático da revista científica Anthropocene Review. Estes trabalhos constituíram a principal fonte de informação para que as/os membros do Grupo de Trabalho do Antropoceno com direito a voto elaborassem as suas propostas durante o processo de selecção.

Após um exame inicial, alguns desses lugares não se consideraram adequados para albergar o GSSP, pelo que finalmente o Grupo de Trabalho do Antropoceno analisou com detalhe nove secções de referência. As candidaturas idóneas foram aquelas que continham finas camadas de sedimento que podiam analisar-se ano a ano e cuja idade, além do mais, podia ser corroborada graças à presença de elementos radioactivos, para assegurar um registo sedimentar completo.

Os procedimentos estratigráficos estabelecidos para decidir sobre um GSSP estão já estandardizados em geologia e são comuns para a definição de qualquer tempo geológico. Assim, um “prego dourado” requer a presença local de um marcador físico que se possa ver a olho nu e pelo menos um sinal indicador, como por exemplo uma alteração geoquímica) que seja encontrada em sedimentos locais e rochas da mesma idade, por todo o planeta.

A maioria das equipas que apresentaram estas propostas identificaram o plutónio como o indicador principal e propuseram o início do Antropoceno a partir de um aumento nos vestígios deste marcador radioactivo.

E o vencedor é…

A discussão inicial sobre as forças e debilidades de cada localização iniciou-se em Outubro de 2022, e a lista inicial reduziu-se a três possibilidades.

De acordo com os resultados obtidos, as secções geológicas mais relevantes encontravam-se na Baía Beppu (Japão),  no lago Sihailongwan (China) e no lago Crawford (Canadá). Após uma análise detalhada sobre a natureza dos sinais de plutónio e uma nova votação, ficaram como finalistas os sítios lacustres da China e Canadá.

No final, o lago Crawford obteve 61% dos votos, pelo que foi eleito como o lugar que albergará a proposta de GSSP para a época do Antropoceno.

Localização do lago Crawford.  Francine MG McCarthy et al. Sage Journal, 2023.CC BY

Situado na província de Ontário, a oeste de Toronto, as camadas sedimentares no fundo deste lago tinham sido investigadas originalmente para demonstrar a ocupação esporádica da região por povos indígenas americanos e a sua posterior colonização pelos europeus. O novo estudo geológico aumentou o número de indicadores preservados nas suas várias camadas anuais, que são formadas por uma alternância entre calcite pálida, depositada no Verão, e lâminas orgânicas escuras acumuladas no Inverno.

Fotografia do testemunho ou amostra CL-2011, do fundo do lago, com o detalhe da profundidade das diferentes camadas anuais, indicando a posição do limite proposto para o ano 1950.  Francine MG McCarthy et al. Sage Journal, 2023CC BY

A camada que está proposta como um marcador visual do GSSP encontra-se a 15,6 cm de profundidade, na base de uma lâmina de calcite depositada no Verão de 1950, e foi seleccionada devido ao rápido aumento de plutónio desde então. Esta marca coincide além disso com um aumento das partículas carbonáceas e uma importante alteração do ecossistema, identificada por um declínio no pólen de ulmeiro e numa substituição das espécies de diatomáceas, um grupo de algas unicelulares.

Adeus ao Holoceno

É muito importante não confundir entre o início da actividade humana e o Antropoceno. Este último conceito não inclui o impacto inicial dos humanos, que foi regional e foi aumentando ao longo do tempo, mas define sim a consequência da resposta planetária ao enorme impacto da Grande Aceleração.

O Antropoceno é uma parte do tempo geológico e, apesar da sua curta duração, beneficiará de uma formalização que determine com precisão o seu significado e utilização em todas as ciências e noutras disciplinas académicas. Será reconhecido assim o final de uma época relativamente estável na história da Terra, o Holoceno.

The Conversation

Este artigo foi traduzido para português a partir do artigo original publicado na The Conversation, com permissão do seu autor, Alejandro Cearreta, professor catedrático de Paleontologia na Universidade do País Basco, Euskal Herriko Unibertsitatea, e também membro do Grupo de Trabalho do Antropoceno, desde 2010.


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Recuperado ganso-patola que tinha sido encontrado com fio de pesca enrolado à volta do pescoço

Por Inês Sequeira

Esta ave marinha juvenil foi agora libertada no alto mar, depois de ter sido resgatada numa praia do Litoral Alentejano, em meados de Junho.

Os gansos-patolas (Morus bassanus), também chamados de alcatrazes, podem ser observados ao longo de toda a costa continental portuguesa, em especial durante o Inverno e nas épocas de migração.

Esta é a maior ave marinha que pode ser vista em águas portuguesas, muito admirada pelos seus mergulhos. “Efectuados de grande altura, entrando na água como um fuso e com grande impacto, parecem flechas apontadas e disparadas e são um espectáculo a não perder”, descreve o portal Aves de Portugal.

No caso deste juvenil de ganso-patola, foi encontrado na Praia da Costa de Santo André e resgatado pela equipa do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas que trabalha na Reserva Natural da Lagoa de Santo André e da Sancha, em meados de Junho.

“Aparentava ter bastante dificuldade na locomoção”, uma vez que “tinha um fio de plástico enrolado à volta do bico e do pescoço, impedindo-o de levantar a cabeça”, descreve uma nota publicada pelo RIAS – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens, situado na zona da Ria Formosa, em Olhão. A ave seguiu para este centro adaptado à recepção de aves marinhas depois de passar os primeiros dias no CRASSA – Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André.

A equipa do CRASSA fez primeiro um exame ao ganso-patola, de forma a pesquisar se este tinha engolido outros corpos estranhos ligados à pesca, como anzóis. Como não encontraram nada, puderam “remover de imediato” o fio de pesca que estava enrolado à volta do pescoço e da cabeça. “Posteriormente, o animal foi estabilizado com recurso a fluidoterapia oral, e mais tarde, foi-lhe fornecido peixe que aceitou de bom grado.”

No entanto, uma vez que estas aves marinhas passam uma grande parte do tempo no alto mar, foi necessário encontrar um outro centro que tivesse todos os meios necessários à sua recuperação, desde logo uma piscina preparada para as necessidades desta ave. Foi então que “o CRASSA recorreu à Rede Nacional de Centros de Recuperação de Animais Selvagens e entrou em contacto connosco, um dos centros adaptados à recepção de aves marinhas”, acrescenta a nota do RIAS.

A ave chegou ao centro de Olhão depois de quatro dias passados no CRASSA. Passou depois para uma pequena piscina onde tinha acesso a uma plataforma, para se conseguir avaliar como estava a sua impermeabilidade – uma questão muito importante para espécies marinhas como esta. “Dias mais tarde, forte e já confirmada a impermeabilidade, foi transferido para uma piscina maior onde ficou sem plataforma até ao fim da sua ‘estadia’.”

Foto: RIAS

Passadas duas semanas, este ganso-patola foi finalmente devolvido ao seu habitat no alto mar, com a ajuda do ICNF e na presença de uma técnica do CRASSA.

O problema dos plásticos e das aves marinhas foi alvo de um novo estudo científico internacional publicado esta semana, coordenado por uma investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Universidade de Lisboa.


Saiba mais.

Conheça melhor a história da recuperação deste ganso-patola, a assista a um vídeo da libertação desta ave, aqui.

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